"Direito ao esquecimento" no TJRJ
Caso 1 - J. S. de M. x GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA.
Apelação cível n. 0148281-75.2009.8.19.0001 – 19ª Câmara Cível – Rel. GUARACI DE CAMPOS VIANNA
Resumo do caso
A autora (bacharela em Direito) ajuizou ação contra o Google a fim de que fossem desindexados do resultado de busca (no Google Search) links com reportagens “não condizentes com sua conduta social”, com manchetes como “Reprovada na OAB é detida acusada de exercer profissão”. A autora também requereu a condenação da Ré em indenização por danos morais. Os pedidos foram julgados improcedentes, e a sentença foi mantida pelo TJRJ (19ª Câmara Cível).
Alegações da autora
- Ao consultar seu nome no site www.google.com.br, constatou que “sua imagem estava vinculada a páginas não condizentes com sua conduta social”, com notícias ofensivas à sua honra;
- As notícias referiam-se a um episódio ocorrido na vida autora: quando estava numa sala de audiência do 24.º Juizado Especial Cível para uma audiência em processo que movera contra seu ex-empregador, “foi surpreendida com a abordagem de dois policiais da 16.ª DP dizendo que receberam uma denúncia anônima de que a Autora estaria exercendo ilegalmente a profissão de advogada naquele momento e ao chegar na delegacia foi surpreendida com a mídia que lhe fotografaram sem permissão, levando as imagens da autora para todos os meios de comunicação”.
- Ao acessar o site Google, aparecem nos resultados de pesquisa as seguintes notícias:
“Reprovada na OAB é detida acusada de exercer profissão Terra Policia 30 jul 2008...A bacharela em Direito [nome da autora] foi detida por policiais da 16ª Delegacia de Policia (Barra da Tijuca) nesta manhã...”
“[nome da autora] tem passagens pela policia por favorecimento a prostituição, tráfico interno de mulheres, prostituição infantil, rufianismo - tirar proveito da prostituição alheia - e outra por exercício ilegal da profissão”
Pedido
A autora requereu (pedido de antecipação de tutela) que fosse determinado ao réu que “retire todo o conteúdo e imagem da autora de seu site”, além de indenização por danos morais.
Contestação do Google
O Google contestou a ação arguindo preliminar de ilegitimidade passiva e ausência de interesse de agir. No mérito, alegou:
- que o site de busca não edita nem divulga qualquer conteúdo, limitando-se a organizar a informação disponibilizada por sites de terceiros na internet através de um processo automático
- que Google Brasil não é autora das ofensas (ausência de participação do Google na veiculação das notícias)
- impossibilidade técnica de fiscalização prévia das informações.
Sentença
Rejeito a preliminar de ausência de interesse de agir, eis que a demanda é adequada, necessária, útil e em tese há proveito jurídico à autora. A preliminar de ilegitimidade passiva se confunde com o mérito momento em que será apreciada.
Não há dissenso quando incontroverso de que a parte autora fora encaminhada à delegacia por policiais em decorrência de denuncias anônimas de que a parte autora estaria exercendo a prática de advogada de forma ilegal, dando, inclusive origem ao termo circunstanciado de fls.247/249.
A autora sustenta que fora publicada no site da ré as seguintes informações:
“Reprovada na OAB é detida acusada de exercer profissão Terra Policia 30 jul 2008... A bacharela em Direito [nome da autora] foi detida por policiais da 16ª Delegacia de Policia (Barra da Tijuca) nesta manhã...”
“[nome da autora] tem passagens pela policia por favorecimento a prostituição, tráfico interno de mulheres, prostituição infantil, rufianismo – tirar proveito da prostituição alheia – e outra por exercício ilegal da profissão – rufianismo”.
Compulsando os autos verifico que, de fato, os documentos de fls.27/28 demonstram que pesquisando o nome da autora no site da ré chega-se a informação “Reprovada na OAB é detida acusada de exercer profissão - 30 Jul 2008. A bacharel em Direito [nome da autora] foi detida por policiais da 16ª Delegacia de Polícia (Barra da Tijuca), nesta manhã”.
Contudo, tais informações são verídicas, conforme a própria autora afirma na inicial, razão pela qual não houve nenhuma ilegalidade com a publicação.
Ressalta-se que o restante da reportagem consistente em “De acordo com a polícia, [nome da autora] também tem passagens por acusações de favorecimento a prostituição, tráfico interno de mulheres, prostituição infantil, rufianismo - tirar proveito da prostituição alheia - e outra por exercício ilegal da profissão”, não consta no resultado da pesquisa feita pela autora no site da ré, mas sim no site “notícias.terra.com.br”.
A ré é mero site de busca cuja finalidade é facilitar pesquisas e não divulgar e editar imagens ou notícias, sendo que no caso foi até útil à autora que pode pesquisar os sites que estavam publicando informações a seu respeito, razão pela qual não pode ser responsabilizado pelas publicações realizadas por terceiros.
Isto posto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na inicial.
Acórdão (na apelação interposta pela Autora)
Deve ser esclarecido que, nos termos dos documentos acostados nos autos, a Autora teve passagem pela Justiça Criminal em razão da imputação do delito de exercício ilegal da profissão. Inclusive, nos moldes do Termo Circunstanciado lavrado na 16ª Delegacia de Policia (fls. 247/249), a autora foi detida durante uma audiência no Juizado Especial Cível da Barra da Tijuca em razão de denúncia de exercício ilegal da profissão.
Portanto, não há qualquer ato ilícito a ser imputado a Ré na exibição dos fatos citados. Até porque as noticias ali veiculadas podem ser obtidas através de consulta processual ao E. Tribunal de Justiça, cujo conteúdo de seus atos são públicos.
Quanto ao restante da notícia, somente publicada no site [link da reportagem], sem ter tido qualquer menção ou referência no site da ré, esta não pode responder pelos danos causados por terceiro, qual seja o provedor Terra.
A ré disponibiliza o serviço de busca em que é lançada uma palavra-chave e são obtidos os resultados correlacionados ao referido parâmetro e indicados outros sites que possuam em seu conteúdo a palavra-chave. Assim, o conteúdo dos sites indicados pela busca não pode ser monitorado pela ré, sob pena de inviabilizar o serviço por ela prestado. Cabe ao autor questionar diretamente os sites que tenham divulgado informações que considere ofensivas
[Foi citado “o precedente deste E. Tribunal de Justiça”: Agravo de Instrumento n° 0028183- 64.2009.8.19.0000 (2009.002.31081) – Re. Desembargador Gilberto Dutra- Décima Câmara Cível- data de julgamento: 09.09.2009]
A lesão a que a Apelante se insurge é a de retransmitir noticia veiculada em outro portal, o Terra, e não consta que isso seja irregular. Se ofensa houve, não foi praticada pela Apelada, ademais os fatos noticiados não têm a proteção legal que, v.g., detém os casos de pedofilia, que são objeto de proibição quanto à reprodução.
Observações e Comentários:
A ação foi ajuizada (15/06/09) quase um ano após a publicação da notícia (30/07/08).
O juiz separou, de um lado, o trecho da reportagem que aparece no resultado de busca do Google e, de outro, o restante do texto, que só aparece quando o usuário acessa o site de notícia. Essa diferença é relevante para os casos que envolvem desindexação de links no Google? Devemos separar o que aparece na página do Google Search e o que aparece nos links?
Segundo o juiz, “a ré é mero site de busca cuja finalidade é facilitar pesquisas e não divulgar e editar imagens ou notícias, (...) razão pela qual não pode ser responsabilizado pelas publicações realizadas por terceiros”.
A notícia que aparece no Google é: “Reprovada na OAB é detida acusada de exercer profissão - 30 Jul 2008. A bacharel em Direito, [nome da autora] foi detida por policiais da 16ª Delegacia de Polícia (Barra da Tijuca), nesta manhã”. Segundo observou o juiz, “tais informações são verídicas, conforme a própria autora afirma na inicial, razão pela qual não houve nenhuma ilegalidade com a publicação”.
A 19ª Câmara Cível seguiu a mesma linha argumentativa, de que os fatos são verídicos e que, desse modo, nenhum ato ilícito poderia ser imputado à Ré “na exibição dos fatos citados”, observando ainda que “as noticias ali veiculadas podem ser obtidas através de consulta processual ao E. Tribunal de Justiça”.
A 19ª Câmara Cível também separou o que aparece no Google e o que aparece apenas no link apresentado pelo Google: “quanto ao restante da notícia, somente publicada no site [link da notícia], sem ter tido qualquer menção ou referência no site da ré, esta não pode responder pelos danos causados por terceiro, qual seja o provedor Terra”.
Duas frases do acórdão merecem destaque:
“O conteúdo dos sites indicados pela busca não pode ser monitorado pela ré, sob pena de inviabilizar o serviço por ela prestado”.
“Cabe ao autor questionar diretamente os sites que tenham divulgado informações que considere ofensivas”.
A segunda frase foi reforçada com a menção à ementa de um “precedente deste E. Tribunal de Justiça”, a saber: Agravo de Instrumento n° 0028183- 64.2009.8.19.0000 (2009.002.31081) – Re. Desembargador Gilberto Dutra- Décima Câmara Cível – data de julgamento: 09.09.2009.
Desta ementa citada, cabe destacar o seguinte trecho:
"Serviço que é prestado por inúmeros outros sites, não sendo exclusividade da agravada. Informações classificadas pelo agravante como "acusações falsas" correspondentes a notícias referentes a processos judiciais cujo conteúdo, salvo exceções, é público e pode ser obtido através do site deste Egrégio Tribunal de Justiça. Consideração das acusações como falsas ou verdadeiras que cabe apenas ao julgador de cada processo. Sistema de buscas que não possui ingerência sobre o conteúdo das páginas e não pode ser por eles responsabilizado, cabendo ao agravante questionar diretamente os mantenedores dos sites que tenham divulgado informações que considere ofensivas."