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"Direito ao esquecimento" no TJRJ

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Silvia Follain

CASO 7 – C.M.S de V. X GLOBO COMUNICAÇÕES E PARTICIPAÇÕES S.A.

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Apelação cível nº 0043625-70.2011.8.19.0042 – 4ª Câmara Cível – Rel. Myriam Medeiros da Fonseca Costa

 

Resumo do caso

A ação foi ajuizada por 3 autores: o primeiro deles era juiz arbitral e proprietário de Tribunais Arbitrais, sendo que a segunda era sua esposa e o terceiro seu pai. Alega que o Jornal Nacional veiculou matéria sobre a invasão da Polícia Federal a um Tribunal Arbitral e que a imagem do primeiro autor e de sua esposa foi utilizada para ilustrar a reportagem com a narrativa de que falsos juízes tinham recebido homenagem na ALERJ. Sustenta que não tinha ligação com aquele tribunal arbitral invadido pela polícia, mas que a reportagem permaneceu disponível no site G1 por dois anos e que, em outras oportunidades, sua imagem foi associada a esta mesma notícia em programas da emissora. Narra que, em razão disso, foi desmoralizado e teve que fechar os tribunais dos quais era dono e foi afastado de dois outros dos quais era membro. Acrescenta que, em 2006, houve nova matéria jornalística, tratando de fatos diversos da primeira, exibida no Jornal da Globo, em que foi acusado de estelionatário e golpista. Aduz que foi acusado criminalmente, mas, posteriormente, inocentado a pedido do Ministério Público, decisão que transitou em julgado. Esta última reportagem continuou disponível no site do Jornal da Globo e foi reexibida no Bom Dia Rio, sendo que passou a ser acessível pelos sites deste telejornal matinal, do RJTV e G1. Por tudo isso, pede condenação da Ré em danos morais sofridos pelos 3 autores, a exclusão do nome e da imagem dos dois primeiros autores dos sites que veiculem as reportagens mencionadas e a condenação da ré em se retratar no Jornal Nacional, no Bom Dia Rio e no RJTV primeira e segunda edições sob pena de multa diária.

Inicialmente, foi proferida sentença acolhendo a prescrição, que foi cassada no Tribunal. Ao apreciar a questão de fundo, o pedido foi julgado improcedente sob o argumento de que as matérias tinham cunho apenas informativo e apenas retratavam investigações em andamento. No Tribunal, a apelação dos autores foi julgada parcialmente procedente para determinar a exclusão dos bancos de dados mantidos ou divulgados pela apelada de qualquer notícia que relacione os autores aos episódios em relação aos fatos e crimes dos quais foram absolvidos. Os desembargadores entenderam que deveria ser aplicado o direito ao esquecimento, uma vez que os custos de uma acusação criminal não poderiam pesar eternamente sobre o sujeito.

 

Alegações do Autor

- que, em 21.02.2002, o Jornal Nacional, da Rede Globo, veiculou matéria sobre a invasão da Polícia Federal a um Tribunal Arbitral e, para ilustrá-la, exibiu a imagem dos autores recebendo homenagem na Assembleia Legislativa sob a narrativa de que falsos juízes tinham recebido a referida homenagem.

- que nunca tiveram ligações com o Tribunal Arbitral que a Polícia Federal invadiu, e que jamais se apresentaram como Juízes.

- que o verdadeiro dirigente daquele tribunal era um desembargador aposentado do TJERJ, todavia, num ato de covardia, a ré ilustrou a matéria com a imagem de duas pessoas que sequer conheciam o referido magistrado.

- que a imagem foi disponibilizada no site G1 por, no mínimo, dois anos, conforme documento impresso do referido site, dele extraído em 25/04/2004.  - que, ao final, foram 08 violações de imagem e da honra do primeiro autor e 08 da mesma natureza em relação à segunda autora, e que estes transtornos, além de abalarem o estado psicológico, levaram ao fechamento de 03 tribunais arbitrais de sua propriedade e afastado de dois tribunais dos quais era membro, diante da desmoralização perante seus clientes.

- que, ainda, em 17/02/2006, ou seja, quatro anos após o primeiro episódio, veiculou-se matéria no Jornal da Globo sobre a invasão, por parte da Polícia Federal, em escritórios do autor, e, mais uma vez, fazendo uso não autorizado da imagem, expuseram-no com a narrativa de que se tratavam de estelionatário e golpista.

- que o primeiro autor, de fato, foi acusado criminalmente, mas, posteriormente, inocentado a pedido do Ministério Público.

- que tal reportagem ainda foi veiculada no site do Jornal da Globo, no Bom Dia Rio do dia 16/02/2006, no site jornalístico, assim como no RJTV, do dia 18/02/2006, no site do programa e no site G1, totalizando 11 afirmações caluniosas.

- que tentaram esquecer o ocorrido durante oito anos, porém, ao acessar a Internet, lá encontram, ainda hoje, as nefastas notícias que os impedem de praticar o exercício do perdão diante de instituição tão insensível. Alegam que o primeiro autor, atualmente ministra aulas particulares para seu sustento, conseguindo aferir mensalmente parcos R$3.000,00 e que, no que tange ao terceiro autor, por se tratar de pai do primeiro, sofreu em ver seu filho, nora e netos, embora inocentes, envergonhados pela brutalidade do meio de comunicação, ensejando, deste modo, indenização na modalidade ricochete por violação a sua própria honra de pai e policial reformado.

 

Pedido

Os autores pleiteiam a condenação da ré a pagar a cada um dos autores 600 salários mínimos a título de danos morais, o deferimento da antecipação dos efeitos da tutela para determinar a exclusão do nome e imagem dos dois primeiros autores de todos os sites que ainda constem suas imagens e notícias, bem como determinar que a ré se retrate, no mesmos meios utilizados para manchar as imagens dos autores - Jornal Nacional, Jornal da Globo, Bom Dia Rio, RJTV primeira edição, e RJTV Segunda Edição.

 

Tutela Antecipada (indeferida)

O pedido de antecipação de tutela foi indeferido sob o argumento de que não seria possível vislumbrar perigo de dano a autorizar a concessão de medida judicial sem observância do contraditório.

 

Contestação

- preliminar de inépcia da exordial, na medida em que, da narrativa, não decorre logicamente a conclusão, havendo falta de nexo lógico entre o pedido e a causa de pedir.

- preliminar de ilegitimidade ativa do terceiro autor,

- que ocorreu a prescrição, na medida em que a presente ação foi distribuída em 25/08/2011, e os danos ocorreram em 2002 e 2006.

- que, na matéria exibida em 2002, sobre falsos juízes arbitrais, a ré não fez qualquer juízo de valor acerca do caso, limitando-se apenas a divulgar o andamento da investigação feita pela polícia, sem ter sido divulgada a identidade dos supostos participantes.

- que, quanto às matérias exibidas em 2006, relativas à prisão do primeiro autor pelo crime de aliciamento de trabalhadores, sustenta ter divulgado, apenas, um fato verdadeiro, não tendo criado esta situação.

- que o direito constitucional à informação, bem como a inexistência de danos morais na espécie.

 

Sentença

Incialmente, não detectamos qualquer inépcia na petição inicial, à fl.120 e seguintes, eis que preenche os requisitos delineados no art.282 do CPC, permitindo, amplamente, o exercício do contraditório e da ampla defesa. No mesmo passo, deve ser afastada a questão segunda questão prévia de caráter processual suscitado pela demandada, à fl.122 e seguintes, na medida em que o 3º demandante, então pai e sogro dos primeiros autores, já que a sua pertinência subjetiva para a lide encontra-se devidamente demonstrada, diante das afirmações lançadas na petição inicial e documentos que a instruem, aplicando-se, ainda, nesta fase processual, a teoria da asserção, que se funda, precisamente, nas alegações da parte demandante em face da parte demandada e que, também neste contexto, tal condição da ação encontra-se presente. Observe-se, a respeito, o seguinte acórdão de nosso Tribunal de Justiça, que caminha nesta mesma linha de entendimento: [Cita a ementa da AC 0176338-40.2008.8.19.0001]. Por fim, devemos dirimir a controvérsia referente à prescrição. Desde já, recordamos que o prazo prescricional relativo às pretensões deduzidas reside no curso de 03 (três) anos, por força do disposto no art.206, par.3o, V do Código Civil, incidindo, ainda, a regra do art.2028 do mesmo diploma legal. Lembramos que o seu termo inicial, na hipótese, à luz do art.189 do mesmo texto cogente, remonta aos dias 21/02/2002 e 17/02/2006, conforme informações de fls.04 e 06, datas em que teria havido a violação do direito alegado, consistente nas condutas ilícitas aptas ao surgimento dos danos mencionados na petição inicial. Nesta linha, tendo em vista que a ação foi proposta apenas em 25/08/2011, conclui-se que houve, efetivamente, o transcurso de mais de três anos para a propositura da ação para a reparação civil pretendida, o que alcança as pretensões deduzidas na petição inicial, motivo pelo qual, na parte dispositiva, será extinto o processo, neste aspecto, com lastro no art.269, IV da Lei Processual Civil.

Julgou extinto o processo com apreciação de mérito, acolhendo a prescrição da pretensão autoral.

 

Apelação

Os autores alegam, em síntese, que os direitos à personalidade são imprescritíveis e que as reportagens continuam a ser veiculadas em sites do Jornal Nacional, Jornal Globo e outros, em verdadeira continuidade delitiva.

 

Acórdão

O recurso merece acolhida, ao menos em parte, certo que o julgador a quo não examinou todas as questões postas em juízo e que poderiam influir no entendimento de que teria ocorrido, ou não, a prescrição, isto que foi, inclusive, objeto de embargos de declaração, rejeitados, mas com flagrante ofensa ao art. 535, do CPC.

Com efeito, já na réplica, os autores alegam imprescritibilidade do direito de ação, em se tratando de danos decorrentes de violação de direitos fundamentais, citando jurisprudência e sobre o que não se manifestou o julgador na sentença. Por outro lado, nos declaratórios, eles afirmam que o delito continua a ser praticado, posto que veiculados em sites ligados à empresa ré. Tal questão também não foi enfrentada na decisão que rejeitou os embargos.

Recurso julgado procedente para cassar a sentença, determinando o retorno dos autos à instância anterior para que nova decisão seja proferida.

 

Nova sentença

Ab initio destaco e rejeito a preliminar suscitada, na medida em que, pelo que se extrai, ainda existe na internet a veiculação das matérias jornalísticas contra as quais se insurge o autor, razão por que, o suposto dano à imagem ainda estaria ocorrendo, ensejando deste modo, ao menos em tese, a indenização perseguida.

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No mérito não se pode olvidar que, como cediço, a Constituição da República assegura dentre os direitos fundamentais, a privacidade e a intimidade (art. 5º, IX) e a liberdade de expressão e de imprensa (art. 5º, X e 220), estando seus limites adstritos aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, que devem ser observados pelo julgador na sua aplicação.

 

Por outra banda, é indiscutível o direito/dever da imprensa, de noticiar ocorrências como no caso sub examine sem que daí resulte em animus injuriandi ou difamandi, mas sim na divulgação de fatos objeto, inclusive, de relevância nacional. O que, por decerto, não obsta que eventuais excessos, se existentes, possam ser rechaçados pelo Poder Judiciário.

 

In casu, o direito à informação foi realizado nos limites da licitude, não ensejando qualquer obrigação de indenizar.

 

As matérias veiculadas, tanto a do caso do Tribunal Arbitral, de 2002, quanto a mais recente, veiculada em 2006, tiveram cunho meramente informativo, jornalístico, tendo simplesmente a intenção precípua de informar. A ré se limitou a retratar a ocorrência de uma investigação que, inclusive, veio a ocasionar uma ação penal.

 

A ré noticiou um fato: a polícia federal invadiu escritório, pessoas foram autuadas e processadas criminalmente. Assim, a ré apenas informou fatos, não havendo qualquer abuso, inclusive, na apresentação da imagem do escritório.

 

Ademais, não trouxe o autor a íntegra da matéria veiculada, apenas aduzindo como a mesma tenha se dado.

 

Neste diapasão, tem-se, pelo aqui apurado, que a ré agiu no exercício regular do seu direito de informar, sem incorrer num abuso de direito, não sendo sua conduta considerada ilícita, apesar de a sua veiculação poder ter repercutido sobre algum dos bens jurídicos em apreço.

 

Neste diapasão, tem-se que não se opera o direito à intimidade da vida privada quando a intromissão ou a divulgação de uma notícia se efetiva de maneira legítima, de forma que não há que se falar em ilicitude da ofensa, e, por conseguinte, em dever de indenizar.

 

Por outra banda, quanto ao alegado direito ao esquecimento, não se pode olvidar que, a despeito de o mesmo ser reconhecido pela doutrina e jurisprudência, é preciso que aquele que deseja ser esquecido se manifeste neste sentido.

 

Portanto, se os autores desejavam que a ré retirasse tais matérias dos sites jornalísticos, a fim de que a questão fosse "esquecida" seria imperioso que tivessem se manifestado neste sentido através de requerimento, email ou qualquer outro meio que veiculasse tal vontade, o que não ocorreu.

 

A jurisprudência vem se posicionando no sentido de que a responsabilidade civil por parte de sites que, supostamente, afrontam o direito ao esquecimento decorre da negativa de retirar dos mesmos as matérias cujo esquecimento a vítima requer. Não houve qualquer prova por parte dos autores de que uma vez sequer tenham requerido que tais matérias não fossem mais divulgadas pelos sites jornalísticos.

 

Não se trata de nova edição da mesma matéria, mas de arquivo de matéria divulgada na época oportuna que se mantem na internet. Não há nenhuma legislação a determinar às empresas jornalísticas que apaguem todos os arquivos de matérias jornalísticas veiculadas. O que vem sendo objeto de decisões judiciais é o direito por parte de quem sinta ofensa em sua imagem ou privacidade, ou outros direitos da personalidade lesionados por exposição na internet, que requeiram a retirada de tais matérias dos meios eletrônicos. Caso haja negativa ou omissão por parte da empresa, configura-se, em tese, o dano moral a ser indenizado sob a ótica do direito ao esquecimento. Sem que houvesse a manifestação por parte do autor, cujo esquecimento deseja, no sentido de que pretende ser esquecido, não há que se falar em lesão por parte da ré e consequente direito à indenização.

Pedido julgado improcedente.

 

Acórdão

A celeuma gravita em torno da configuração de lesão a direitos da personalidade em razão da veiculação de notícia jornalística ofensiva à honra e à imagem dos autores em diversos veículos, os quais reclamam indenização por danos morais e o direito ao esquecimento. Com efeito, o caso sub judice possui assento constitucional e legal, considerando que é uma consequência do direito à vida privada (privacidade), intimidade e honra, assegurados pelo art. 5º, X da CF e pelo art. 21 do CC. Consoante parte da doutrina, em relação ao direito ao esquecimento, fala-se, ainda, em decorrência da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF). A questão também é disciplinada pelo Marco Civil da Internet (art. 7º, I da Lei nº 12.965/20142 ).

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A questão, como se vê, deve ser analisada sob duas óticas distintas: (i) lesão a direitos da personalidade em virtude da veiculação de notícia infamante atrelada à imagem dos dois primeiros autores, sendo o terceiro atingido por ricochete em razão do parentesco, bem como (ii) o direito de não ser lembrado contra sua vontade de fatos desabonadores, especialmente de natureza criminal.

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No tocante a primeira, alinho-me as conclusões da eminente sentenciante ao afirmar que as matérias aqui questionadas possuíram estrito cunho jornalístico informativo (art. 220 da CF), sem qualquer intenção de difamar os envolvidos, retratando investigação deflagrada pela Polícia Federal, que invadiu o escritório dos demandantes.

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Extrai-se dos autos que os autores foram denunciados na Justiça Federal (indexador 63/70) pela prática dos tipos previstos nos arts. 307, 171 e 207, §1º nf 71 do CP e 67 da Lei nº 8078/90 nf 71 do CP (Carlos Márcio Vasconcelos); 171 e 207, §1º nf 71 do CP e 67 da Lei nº 8078/90 nf 71 do CP (José Adrelino de Freitas) e 171 e 207 nf 29, §1º do CP (Andreza Cristina Vasconcelos). Contudo, foi declarada a incompetência absoluta da Justiça Federal (indexador 71). Em sede Estadual, a ação penal foi distribuída ao Juízo de Direito da 40ª Vara Criminal que absolveu os acusados, na forma do art. 386, III do CPP (“não constituir o fato infração penal”)

 

[Relator reproduz parte da sentença extraída do site da Justiça Federal que absolveu os autores]

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Logo, não vislumbro respaldo para o alegado abuso do direito de informar, não se justificando a pretendida indenização por danos morais ao casal, muito menos em ricochete, a pretexto de lesão à reputação familiar.

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Em consulta ao Google, verifica-se que apenas em relação ao nome do primeiro autor há correlação com as referidas notícias, identificando-o como ex-presidente do Tribunal Arbitral do Estado do Rio de Janeiro e supostamente envolvido em fraudes praticadas em detrimento de pessoas em busca de emprego na Petrobras, sendo sempre indicada a Polícia Federal como fonte daquela informação, a qual apenas foi acompanhada pela imprensa. Aliás, observa-se que notícias semelhantes foram veiculadas por outras agências de notícias, como a “Agência Estado”, dentre outras, como a Folha de São Paulo, por exemplo.

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É importante registrar que quando alguém se insere em um fato de interesse coletivo, como a notícia de crime de larga escala, que teria causado prejuízos estimados em mais de R$ 600 mil à época, mitiga-se a proteção à intimidade e privacidade em benefício do interesse público na apuração dos fatos. E nisto, a meu sentir, não subsiste violação ao art. 5º, V da CF c/c 17 do CC. Afinal o ordenamento jurídico não convive com direitos absolutos.

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Por outro lado, os autores foram completamente absolvidos da prática dos ilícitos penais que lhes foram imputados por atipicidade da conduta descrita na inicial acusatória.

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Daí emergir o debate quanto ao direito ao esquecimento – “the right to be let alone” da doutrina norte-americana, o qual, consoante abalizada doutrina e jurisprudência, deve ser visto como uma forma de proteger as pessoas e não como uma forma de cercear a liberdade de expressão, muito menos ocultar dados históricos relevantes. Daí a ponderação caso a caso dos interesses em xeque, isto é, a análise do conflito entre a liberdade de imprensa e o direito à intimidade, pois embora a primeira seja incensurável e goze de total liberdade, encontra barreiras em princípios como a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas.

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O Superior Tribunal de Justiça acolhe a tese e em dois julgados recentes afirmou que o sistema jurídico brasileiro protege o direito ao esquecimento (REsp 1.335.153-RJ e REsp 1.334.097-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgados em 28/5/2013).

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Extrai-se dos julgados que a questão deve ser analisada sob a ótica da persistência de interesse público atual na divulgação daquela informação, bem como do compartilhamento e da circulação de informações.

[Relator cita a ementa do REsp 1334097/RJ, de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão. Esta decisão tornou-se referência em matéria de direito ao esquecimento e tratou da exibição de um programa Linha Direta da TV Globo sobre a Chacina da Candelária, que veiculava o nome e a imagem de um dos indiciados pelo crime. A conclusão daquele Tribunal foi de que “embora tenham as instâncias ordinárias reconhecido que a reportagem se mostrou fidedigna com a realidade, a receptividade do homem médio brasileiro a noticiários desse jaez é apta a reacender a desconfiança geral acerca da índole do autor, o qual, certamente, não teve reforçada sua imagem de inocentado, mas sim a de indiciado. No caso, permitir nova veiculação do fato, com a indicação precisa do nome e imagem do autor, significaria a permissão de uma segunda ofensa à sua dignidade, só porque a primeira já ocorrera no passado, uma vez que, como bem reconheceu o acórdão recorrido, além do crime em si, o inquérito policial consubstanciou uma reconhecida "vergonha" nacional à parte.”]

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A respeito do tema, GILMAR FERREIRA MENDES elucida que:

[Cita trecho do referido autor no sentido de que se pessoa deixa de atrair interesse público em torno dela “merece ser deixada de lado”]

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Sob este enfoque, em princípio, os recorrentes fazem jus à exclusão de qualquer notícia que os relacione aos episódios em relação aos fatos e crimes dos quais foram absolvidos em quaisquer sítios mantidos ou divulgados pela demandada, sob pena de, como afirmado no REsp 1334097/RJ, permitir, com a indicação precisa do nome e imagem dos autores, ofensa à sua dignidade, medida que se impõe apesar de não conseguir transpor a divulgação de dados na rede mundial de computadores, pois como registrado alhures, a divulgação das notícias não se restringe aos sites mantidos pela demandada, mas expostos em diversos outros cujas fontes, em princípio, não são agências vinculadas ao sistema Globo de Comunicação [Agência O Globo4 ], e não sendo as mesmas partes na demanda, não poderiam ser atingidas pela coisa julgada aqui formalizada (art. 472 do CPC).

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Foi dado parcial provimento ao recurso para excluir dos bancos de dados mantidos ou divulgados pela apelada qualquer notícia que relacione os autores aos episódios em relação aos fatos e crimes dos quais foram absolvidos, fixando-se, para tanto, o prazo de cinco dias, a contar do trânsito em julgado, sob pena de multa diária de R$ 10 mil.

 

Desdobramentos processuais

A ré interpôs Recurso Especial e Extraordinário. O Recurso Especial, interposto com base na violação de lei federal (arts.21 e 927, do Código Civil e 7º, inciso I, da Lei 12.965/2014), foi admitido pelo Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva e ainda aguarda julgamento.

 

O RE foi inadmitido na origem sob o argumento de traz matéria repetitiva representada no tema nº 786 (Aplicabilidade do direito do esquecimento na esfera civil quando for invocado pela própria vítima ou pelos seus familiares.) do repertório de temas do Supremo Tribunal Federal. (Tese 692 do TJERJ). Desta decisão, não foi interposto recurso.

 

 

Observações e comentários

Como se nota da narrativa dos autos, os autores buscaram embasar seu pleito em questões de ordem diversa. Há o aspecto da suposta associação da imagem dos dois primeiros autores à acusação criminal que não teria sido a eles dirigida. Este ponto poderia suscitar uma discussão da ordem da responsabilização das mídias jornalísticas por publicação de informação inverídica, mas não parece ter sido suficientemente enfrentado nas decisões (mesmo que fosse para tornar evidente que tal alegação não tinha respaldo nas provas). Sobre o processo penal que o primeiro autor de fato respondeu, a inicial suscita um abuso no direito de informar porque as reportagens teriam realizado juízo de valor sobre sua pessoa. Nesse diapasão, caberia a discussão de quanto sua esposa e seu pai, realmente, podem ser considerados afetados em seus direitos da personalidade por ricochete. Por fim, há o pedido de reconhecimento do direito ao esquecimento aplicável em razão da disponibilização, na Internet, das notícias sobre a ação penal que o primeiro réu respondeu e foi absolvido. Apenas quanto a este último teve o autor sucesso, mas, como bem salientado pela desembargadora relatora, o provimento do pedido de remoção do conteúdo dos sites jornalísticos da empresa ré não significa a eliminação da informação da Rede Mundial de Computadores, já que em rápida consulta ao Google, diversas notícias sobre o ocorrido. Inclusive, o autor criou um blog com o tema “luta por justiça”: “CRIADO PARA DIVULGAR AS DUAS PRISÕES ILEGAIS PRATICADAS CONTRA O JUIZ ARBITRAL C. M. S DE V., QUE OCASIONARAM A PARALISAÇÃO DE SEUS NEGÓCIOS QUE GERAVAM SEGUNDO CÁLCULOS DA POLÍCIA FEDERAL 250 MIL MENSAIS POR 5 ANOS. TENDO SIDO INOCENTADO NAS DUAS VEZES A PEDIDO DO PRÓPRIO MINISTÉRIO PÚBLICO”. A criação deste blog pelo próprio autor impede qualquer tentativa de esquecimento do ocorrido pelo público em geral.

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