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"Direito ao esquecimento" no TJRJ

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Fábio Carvalho Leite

Caso 9 - C. H. R. x DIARIO DO GRANDE ABC S/A

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Apelação cível n. 0413363-30.2013.8.19.0001 – 9ª Câmara Cível – Rel. GILBERTO DUTRA MOREIRA

(Para ler o acórdão, clique aqui)

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RESUMO DO CASO

O autor é medico neurocirurgião e alegou que, por relatos de seus pacientes (que pesquisaram seu nome na internet), tomou conhecimento da notícia “neurocirurgião é acusado de fraudar hospital no Rio”, havia sido publicada à época do fato (15/04/2010) e, desde então, ficou disponível na internet. O autor tentou junto ao Réu, sem êxito, a remoção da reportagem que qualificou como inverídica. A tutela antecipada foi indeferida. Mas a sentença foi pela procedência dos pedidos, condenando o Réu a pagar ao autor o valor de R$30.000,00 a título de danos morais, e a excluir da internet a reportagem jornalística. O TJ deu provimento ao recurso interposto pelo Réu, observando ainda que a pretensão indenizatória do autor era manifestamente teratológica.

 

Alegações do autor

- que é medico neurocirurgião

- que tomou conhecimento por seus pacientes que, ao pesquisarem na internet seu nome, a existência de notícia de que, em 15/04/10, o autor fora denunciado por formação de quadrilha com outros funcionários do Hospital Salgado Filho no intuito de fraudar o nosocômio

- que a inverídica matéria jornalística permaneceu nos sites de buscas, dentre estes o Google, não logrando o autor a exclusão imediata do conteúdo difamador, sob o argumento de que não é possível a remoção de notícias de seus arquivos.

 

Pedido

Pretende a antecipação de tutela para a exclusão definitiva da publicação difamante vinculada a seu nome com o título “neurocirurgião é acusado de fraudar hospital no rio”, e, ao final, a condenação ao pagamento de indenização por danos morais a serem arbitrados.

 

Tutela antecipada

Não verifico o periculum in mora a ensejar a supressão do contraditório, pelo que indefiro, por ora, o pedido de antecipação dos efeitos da tutela

 

Contestação do Réu

- preliminar de prescrição trienal;

- que exerceu regularmente o direito de liberdade de expressão e informação jornalística, já que narrou o fato de a polícia ter cumprido mandado de busca e apreensão na casa e consultório do autor por suspeita de forja de documentos para justificar compras de materiais cirúrgicos que sequer foram utilizados, não tendo sido negada tal ocorrência;

- que o autor responde processo criminal em razão dos fatos narrados na notícia, tendo impetrado HC;

- que apenas relatou tais fatos e não ofendeu moralmente o autor;

- que somente através do site de procura google se tem acesso a tal matéria,

- que não se comprometeu a retirar a notícia e que o fato de se tratar de notícia “antiga” não legitima a exclusão do site, sob pena de censura;

- que apenas exerceu o dever de informar, inexistindo conteúdo difamatório, falso, ou com a intenção de denegrir a imagem;

- que eventual divulgação de fatos, em cumprimento ao direito de informar, pode causar danos, sendo punível apenas o abuso, inexistente na hipótese;

- que apenas relatou o ocorrido, inexistindo danos morais a serem indenizados.

 

Sentença

Preliminar de prescrição

Enfrento de forma vestibular a arguição de prescrição para rejeitá-la, iniciando-se o prazo a quo na data de ciência da publicação.

 

Além disso, a ofensa se dá de forma permanente, não fluindo o prazo arguido até a cessação da divulgação.

 

Mérito

A matéria trazida ao crivo do Judiciário, tem sido amplamente discutida nos meios jurídicos e na sociedade civil em geral. Trata-se de situação onde estão em jogo dois direitos constitucionalmente assegurados: a liberdade de imprensa e divulgação de informações em contraposição ao direito da integralidade da honra e inviolabilidade da vida privada.

 

Inicialmente há que ser fixada a ideia de que o homem público, servidor ou político, de certa forma abre mão de sua privacidade em prol da publicidade de seus atos.

 

O caso dos autos, como se pode concluir pela leitura dos atos e docs. revela que o veículo de informação, replicou matéria jornalística há longo tempo, negando-se em retirá-la, imputando ao site de busca a responsabilidade pela divulgação.

 

Trata-se de matéria ofensiva à honra, imputando fatos por demais graves, desbordando do que poderia ser considerado manifestação de ideia ou direito à informação.

 

Aqui é preciso salientar que já fixei entendimento no sentido de que o Google constitui site de procura apenas, sendo a responsabilidade primária daquele que divulga a informação. Portanto, o dever de retirar a matéria é da empresa jornalística ré, assim como o claro dever de indenizar pela ofensa a honra objetiva e subjetiva do autor.

 

O valor, considerando o longo período de exposição e nomeadamente a negativa no atendimento a notificação formal ofertada, deve ser fixado, no entender deste julgador em R$ 30.000,00.

 

Deve ainda ser acolhida a pretensão obrigacional, fixando-se 05 dias a contar da presente para retirada da matéria, sob pena de multa global de R$ 50.000,00 já convertida neste valor a obrigação de fazer em pagar.

 

Acórdão

Inicialmente, o direito à liberdade expressão não é ilimitado, sendo inadmissível qualquer abuso ou excesso, especialmente quando as notícias veiculadas em sites ou blogs envolvem a honra e a intimidade, cuja inviolabilidade é direito de qualquer cidadão, na forma do art. 5º inciso X da Constituição Federal.

 

Na hipótese destes autos, constata-se que o periódico apenas noticiou o fato de existir a apuração de suspeita de fraude em desfavor de hospital público, colhendo tal informação junto à Autoridade Policial, inexistindo o cunho difamador que invoca o autor apelado, conforme se verifica nos documentos de fls. 77/80.

 

Ressalte-se, por oportuno, que o fato de ter ocorrido a rejeição da denúncia, por inepta, possibilitando a oferta de nova peça acusatória, conforme fls. 148, não tem o condão de afastar o regular exercício do direito de informar, sendo evidente que o tempo em que ocorreu a notícia não é suficiente para determinar a exclusão da matéria jornalística.

 

O texto publicado em site da internet não têm o propósito de denegrir ou ofender, possuindo juízo nitidamente informativo em relação à suspeita do apelado no envolvimento de fraude, tendo ocorrido a expedição de mandado de busca e apreensão para a apuração dos fatos, sendo manifestamente descabida a indenização e a censura à liberdade de expressão, conforme entendimento deste Egrégio Tribunal de Justiça:

 

Apelação 0074471-04.2008.8.19.0001 - Des. Carlos Eduardo Passos - 21/01/2014 - 18ª Câmara Cível

 

Apelação 0099508-96.2009.8.19.0001 - Des. Gilda Carrapatoso - 04/12/2013 - 2ª Câmara Cível

 

As provas documentais foram suficientes para demonstrar que não há qualquer excesso no uso do direito de informar, sendo a pretensão indenizatória do autor manifestamente teratológica, eis que a informação prestada no periódico não se destina a ofender a imagem do envolvido, não tendo sido demonstrado sequer qualquer abuso do direito de informação que legitime qualquer intervenção judicial.

 

Isto porque, resta incontroverso que havia inquérito policial em curso para a aferição de fraude envolvendo o autor, o que afasta o invocado abuso do direito à informação que resulte em ato ilícito, restando caracterizado o exercício regular de direito sem qualquer ofensa à imagem.

 

A veiculação de informações referentes ao inquérito policial ou à queixa-crime em relação a fatos de interesse público só pode ser controlada pelo Judiciário se observado o abuso ao direito de informar, o que não é o caso, devendo prevalecer, desta forma, o princípio da liberdade de imprensa.

 

Neste sentido, já decidiu este Egrégio Tribunal de Justiça e, inclusive esta Colenda Câmara Cível:

 

Apelação 0006462-82.2011.8.19.0001 - Des. Rogerio de Oliveira Souza - 19/02/2013 - 9ª Câmara Cível

 

Apelação 0179745-20.2009.8.19.0001 - Des. Sirley Abreu Biondi - 31/01/2014 - 13ª Câmara Cível

 

Apelação 0220673-81.2007.8.19.0001 - Des. Lucia Miguel S. Lima - 29/03/2011 - 12ª Câmara Cível

 

Apelação 0011106-85.2009.8.19.0212 - Des. Geórgia de Carvalho Lima - 25/09/2012 – 19ª Câmara Cível

 

A pretensão indenizatória não merece acolhida, eis que aos textos não se destinam a ofender a imagem do apelante, não tendo sido demonstrado sequer qualquer abuso da liberdade de expressão que legitime qualquer intervenção judicial. Por tais fundamentos, dá-se provimento ao recurso, para julgar improcedente o pedido, invertidos os ônus sucumbenciais.

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Observações e Comentários:

- O autor qualificou a reportagem como inverídica, mas ela era verídica, pois ele de fato havia sido denunciado por formação de quadrilha com outros funcionários do Hospital Salgado Filho no intuito de fraudar o nosocômio.

 

- O relator da apelação cível ressaltou que “o fato de ter ocorrido a rejeição da denúncia, por inepta, possibilitando a oferta de nova peça acusatória (...) não tem o condão de afastar o regular exercício do direito de informar, sendo evidente que o tempo em que ocorreu a notícia não é suficiente para determinar a exclusão da matéria jornalística”.

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- Para o relator, portanto, o fato de a notícia ser antiga seria indiferente naquele caso, enquanto, para o juiz, foi uma razão para definir um valor mais elevado de indenização: “O valor, considerando o longo período de exposição e nomeadamente a negativa no atendimento a notificação formal ofertada, deve ser fixado, no entender deste julgador em R$ 30.000,00”.

 

- Na sentença, o juiz afirmou que o Réu “replicou matéria jornalística há longo tempo, negando-se em retirá-la, imputando ao site de busca a responsabilidade pela divulgação”. Em seguida, observou que se tratava de “matéria ofensiva à honra, imputando fatos por demais graves, desbordando do que poderia ser considerado manifestação de ideia ou direito à informação”. Este parece ser o ponto central da questão jurídica: a suposta ilicitude estaria na publicação da reportagem à época dos fatos? Ou em manter a reportagem disponível na internet desde então? Se o ponto for a publicação, o juiz deveria ter desenvolvido melhor o argumento, pois deixa a seguinte dúvida: o jornal então não deveria ter noticiado que o autor havia sido denunciado por formação de quadrilha? Se o ponto for a manutenção da notícia na internet, surge então outra dúvida: qual seria, segundo o juiz, o prazo razoável para a disponibilização de uma reportagem jornalística como essa? E se for este o caso, deveria o juiz ter fixado o valor de indenização “considerando o longo período de exposição” da reportagem? Comparem com o caso 29.

 

- O juiz também observou que já havia fixado o “entendimento no sentido de que o Google constitui site de procura apenas, sendo a responsabilidade primária daquele que divulga a informação. Portanto, o dever de retirar a matéria é da empresa jornalística ré, assim como o claro dever de indenizar pela ofensa à honra objetiva e subjetiva do autor”.

 

- O desembargador relator qualificou a pretensão indenizatória do autor como “manifestamente teratológica”. E a sentença que não apenas julgou procedentes os pedidos, mas ainda afirmou que o dever de indenizar era “claro”? Também não seria teratológica para o relator?

 

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