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"Direito ao esquecimento" no TJRJ

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Rodolfo Assis

Caso 14 - F. V. B. B. x Editora O Dia S/A e Leonardo Antônio Limas Dias.

Apelação cível n. 0118542-18.2013.8.19.0001 – 9ª Câmara Cível – Rel. José Roberto Portugal Compasso

Resumo do caso

O Autor teria sido mencionado em publicação de blog de um dos réus nas páginas da empresa jornalística recorrente, em que se atribuía à sua esposa a conduta de interná-lo em hospital sob justificativa médica falsa e(ou) desnecessária, apenas para “curtir” o carnaval. A ação foi ajuizada pela irmã do Autor, na condição de sua curadora/representante, cujo pedido era o de obrigação de fazer (cessar ofensas irrogadas a sua honra produzidas em publicação de blog) cumulada com pedido compensatório por danos morais. Ambos os pedidos foram julgados procedentes e os réus apelaram, sendo que o recurso foi improvido por relator em decisão monocrática. Da decisão monocrática interpuseram agravo regimental, que foi improvido por unanimidade.  

​Alegações do Autor

- que em dezembro/2009 sofreu acidente automobilístico amplamente divulgado pela mídia e que desde então apresenta quadro de coma por força de trauma crânio encefálico grave, que o impossibilita de gerir seus negócios e sua vida pessoal, com cuidados médicos permanentes.

 - que no pós operatório de cirurgia realizada para retirada de eletrodos, em janeiro/2013, apresentou complicações, com necessidade de realização de nova cirurgia, após internação por seis semanas com antibioticoterapia prolongada.  - que seu pai, L. C. B., notório produtor do cinema brasileiro, com 84 anos de idade, e que estava fora do país, foi poupado da ulterior internação, já que a cirurgia marcada seria simples.

- que a família foi surpreendida pela notícia dada pelo próprio patriarca de publicação efetuada no site dos Réus nos seguintes termos: ´o cineasta [nome do autor] foi internado no último sábado no Copa D'Or. A internação ocorreu devido a uma possível alteração neurológica e uma possível infecção urinária. As más línguas dizem que [esposa do autor] quis internar o marido para curtir o carnaval já que não havia indicação de internação urgente. [Nome do autor] está em estado vegetativo desde que sofreu um acidente de carro em 2009.´

 - que também foi divulgado no blog do 3º Réu na página do 2º em 10/02/2013.  - que além de expor publicamente a situação hospitalar do Autor, a notícia foi publicada de forma inverídica e caluniosa.

Pedido

Ação com vistas à indenização por danos morais e obrigação de fazer consistente na retirada de publicação relacionada ao autor dos noticiários em berlinda.

Contestação da Ré

- que não havia legitimidade ativa, ao argumento de que, por ser interditado, o Autor não tomou conhecimento do conteúdo da matéria.

 - que não houve abuso do direito constitucional de livre manifestação do pensamento, mormente em razão da condição de pessoa pública do Autor. Dizem os Réus que em se tratando de pessoas públicas, seus direitos pessoais devem ser relativizados.

Sentença

Cuida-se de ação com pedido de indenização por danos morais em que o Autor alega ter sido atingido em sua honra por publicação de notícia sensacionalista no Jornal O Dia, no blog de Leo Dias, 3º Réu.

Rejeito a preliminar de ilegitimidade ativa. Como ressaltado pela I. Representante do Ministério Público, eventual ofensa é matéria meritória.

No mérito, não há dúvida de que a traço divisor entre a notícia ofensiva e a fidelidade dos fatos nos estritos limites do dever de informar é muito subjetivo. Visto que de um lado está o direito à manifestação do pensamento e à informação, incluídos nos direito humanos fundamentais; e de outro, o direito à preservação da honra e da condição pessoal de cada indivíduo, igualmente tutelado pela Carta Magna de 1988.

Nesse diapasão, como muito bem salientado pelo Eminente Desembargador e Professor Sérgio Cavalieri Filho, em sua excelente obra ´Programa de Responsabilidade Civil´, página 91, 2ª edição: ´Até que ponto, entretanto, escudada nessa liberdade de informação, pode uma empresa de jornalismo invadir a intimidade alheia, divulgando fatos da vida privada, ou mesmo pública, ofensivos ou injuriosos? Até que ponto pode se valer da intimidade de outrem para tirar proveito econômico? (...) Assim, se ao direito à livre expressão da atividade intelectual e de comunicação contrapõe-se o direito à inviolabilidade da intimidade da vida privada, da honra e da imagem, segue-se como conseqüência lógica que este último condiciona o exercício do primeiro.´

Nesse contexto, verifica-se que a matéria ultrapassou os limites da informação, atacando diretamente a honra e a dignidade do Autor, nos seguintes termos exatos: ´o cineasta [nome do autor] foi internado no último sábado no Copa D'Or. A internação ocorreu devido a uma possível alteração neurológica e uma possível infecção urinária. As más línguas dizem que [nome da esposa do autor] quis internar o marido para curtir o carnaval já que não havia indicação de internação urgente. Fabio está em estado vegetativo desde que sofreu um acidente de carro em 2009.´

Alegam os Réus que, em razão do Autor ser pessoa pública a notícia possuía interesse social. Isso poderia até ser levado em consideração se a notícia tivesse se limitado a informar a internação do Autor. Contudo, a matéria é claramente sensacionalista, fazendo fofoca em torno do relacionamento do Autor e de sua esposa, com vistas a ´vender jornal´. De fato, neste ponto, não houve ofensa ao Autor e sim a sua esposa, que não compõe o polo ativo.

Todavia, na forma do parecer do Ministério Público, o qual adoto na íntegra, o direito à privacidade compreende dados sensíveis, tal qual a condição íntima da saúde. Assim, não é possível ao jornalista divulgar dado sensível acerca do estado íntimo de saúde do Autor; o que foi feito com a afirmação da causa da internação (possível alteração neurológica e possível infecção urinária). Também havendo, aqui, excesso do direito de informação e liberdade de expressão.

Dispõe o art. 21, Código Civil: ´A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providencias necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma´. Inconteste, desta forma, a ocorrência dos danos morais. No que toca à fixação dos danos, estes devem ser analisados de acordo com a situação em que se encontrava o Autor, bem como a situação econômica dos Réus; não se olvidando, por óbvio, do caráter punitivo que reveste as indenizações por danos imateriais.

Considerando tais parâmetros, entendo razoável uma indenização no valor de R$ 50.000,00, a ser paga pelos Réus solidariamente, conforme previsto na Súmula 221 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça. Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO para: A) condenar os Réus, solidariamente, ao pagamento ao Autor da quantia de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), corrigida pelos índices oficiais da CGJ a contar da publicação da presente e incidindo juros legais moratórios de 1% ao mês a contar de igual data, pelos danos morais sofridos; B) CONFIRMAR a decisão de fls. 64. 

 

Sentença: julgou procedente os pedidos.

Apelação interposta pelos Réus

Os réus, inconformados, recorreram, repetindo, em síntese, os argumentos constantes da contestação no sentido da ilegitimidade ativa da irmã do demandante e da inexistência de danos morais indenizáveis, pugnando, alternativamente, pela redução da quantia compensatória fixada, eis que excessiva. Pugnam pelo provimento do recurso para a reforma da sentença recorrida com a total improcedência os pedidos formulados.

 

Decisão monocrática que julgou o mérito

Inicialmente, rejeito a preliminar de ilegitimidade ativa deduzida pelos recorrentes, uma vez que a irmã que representa o demandante neste feito é a sua curadora e, como tal, inequivocamente, parte legítima para postular compensação imaterial em seu favor. Saliente-se, por oportuno, que o autor vive em estado vegetativo desde o infortúnio automobilístico que o acometeu no ano de 2009, tendo sido interditado por sentença datada de 10/09/2010, com a nomeação de sua irmã como curadora (fls. 24/28). Destarte, repita-se, parte legítima para postular em nome do demandante.

Quanto ao mérito, melhor sorte não assiste aos apelantes.

Com efeito, trata-se de Ação de Obrigação de Fazer cumulada com pedido Compensatório por Danos Morais por intermédio da qual busca o demandante fazer cessar ofensas irrogadas à sua honra, produzidas em publicação de blog de um dos réus nas páginas da empresa jornalística recorrente, com o seguinte teor:

"o cineasta [nome do autor] foi internado no ultimo sábado no Copa D'or. A internação ocorreu devido a uma possível alteração neurológica e uma possível infecção urinaria. As más línguas dizem que [nome da esposa do autor] quis internar o marido para curtir o carnaval já que não havia indicação de internação urgente. [Nome do autor] está em estado vegetativo desde que sofreu um acidente de carro em 2009." (grifos nossos).

 

O cerne da questão em análise é a aferição acerca de qual dos direitos fundamentais, a saber, vida privada, honra e imagem ou liberdade de expressão e de comunicação deve preponderar na hipótese de eventual conflito, bem como, se houve ou não mácula à honra do demandante.

 

Neste sentido, verifica-se que dois são os trechos da publicação (acima sublinhados) potencialmente aptos a produção dos apontados danos de ordem moral.

 

Quanto ao primeiro deles, leia-se “...uma possível alteração neurológica e uma possível infecção urinária.”, conforme acertadamente destacado pela sentença de fls. 137/139 e parecer do Ministério Público de fls. 130/134, afigura-se abusivo o exercício do direito de informação realizado pelos réus, tendo em vista tratar-se de dado sensível relacionado a condição íntima de saúde do demandante, exigindo, para efeito de divulgação na mídia, o consentimento expresso do sujeito, nos termos do Enunciado nº 404 da V Jornada de Direito Civil, in verbis:

 

"a tutela da privacidade da pessoa humana compreende os controles espacial, contextual e temporal dos próprios dados, sendo necessário seu expresso consentimento para tratamento de informações que versem especialmente o estado de saúde, a condição sexual, a origem racial ou étnica, as convicções religiosas, filosóficas e políticas"

 

Ainda que assim não fosse, considerando que no momento da publicação da nota acoimada como ofensiva, a saber, em fevereiro de 2013, quase quatro anos já havia se passado desde a data do evento automobilístico lesivo em 2009, a notícia perde o seu caráter informativo na medida em que a pessoa que tem a informação divulgada deixa, gradativamente, de ser considerada “pessoa pública e notória” e passa a ostentar o “direito de ser esquecido” ou “direito ao esquecimento”, não mais podendo ter dados a seu respeito noticiados.

Dessa forma, repita-se, escorreita a conclusão sentencial no sentido de que aspectos concernentes à condição íntima de saúde da pessoa não podem ser expostos ao público sem o seu expresso consentimento ou de seus representantes.

No que toca ao segundo trecho destacado, a saber, “As más línguas dizem que [nome da esposa do autor] quis internar o marido para curtir o carnaval.”, diferentemente do concluído na douta sentença apelada, entende esta relatoria que para além da violação à honra e à imagem da esposa do demandante, também, houve ofensa a tais aspectos relacionados à personalidade do autor, notadamente, na seara da honra objetiva.

Isto porque é induvidoso que a notícia divulgada abala a reputação do demandante perante a sociedade, seus amigos, familiares, público em geral, na medida em que faz insinuação de que não seria mais tratado com fidelidade pela esposa. Assim, também sob a premissa da honra objetiva, faz jus o demandante à compensação por danos morais.

Manifesta a abusividade dos réus no exercício do direito à informação, notadamente porque não há qualquer interesse público nos fatos noticiados, seja no que tange aos motivos da internação do demandante, sua condição intima de saúde, seja no tocante ao seu relacionamento com a mulher e as supostas intenções da mesma ao interná-lo, tratando, pois, de mera curiosidade e exposição maldosa, sem qualquer interesse público a justifica-la.

Sendo assim, na ponderação do aparente conflito entre os direitos fundamentais anteriormente mencionados, há que se conferir prevalência ou preponderância ao direito à intimidade e a vida privada em detrimento do direito à liberdade de informação, expressão e comunicação que deve ceder espaço em favor daquele.

Na hipótese, caracterizada a ocorrência do fato, do dano e do nexo de causalidade, impositiva a condenação dos réus/recorrentes ao pagamento de quantia compensatória por danos morais em favor do autor.

Neste particular, sopesando as circunstâncias do caso em questão e atento aos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e o da vedação ao enriquecimento sem causa, bem como, ao caráter pedagógico/punitivo das compensações imateriais, a quantia arbitrada na ordem de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) a título de danos morais afigura-se adequada e não merece ser objeto de qualquer redução.

Dessa forma, nenhum reparo há que ser providenciado na sentença apelada, não merecendo acolhimento as razões recursais, ora analisadas.

 

Ante o exposto, nego provimento ao recurso, nos termos do artigo 557, caput, do Código de Processo Civil, para o fim de manter íntegra a sentença.

 

Negou provimento ao recurso e manteve o valor da condenação por danos morais na sentença

Agravo Regimental

Os réus, inconformados, agravam, repetindo, em síntese, os argumentos constantes da peça defensiva e do recurso de Apelação no sentido da ilegitimidade ativa da irmã do demandante e da inexistência de danos morais indenizáveis, pugnando, alternativamente, pela redução da quantia compensatória fixada, eis que excessiva. Pedem pelo provimento do recurso.

 

Acórdão no Agravo

Rejeitaram a preliminar de ilegitimidade ativa.

Reiteraram todos os argumentos e afirmações da decisão monocrática do relator da apelação.

Negaram provimento ao recurso, por unanimidade.

Observações e Comentários

O caso tem alguns pontos interessantes, especialmente pela conjugação de decisões iguais por 3 órgãos julgadores diferentes (juiz de primeira instância, desembargador em decisão monocrática e o órgão colegiado no caso de agravo interno).

A publicação tem um teor irônico e de gosto duvidoso, mas isso não torna o raciocínio judicial da decisão adequado. Afirma-se nas decisões que a menção a doenças é sujeita a autorização/consentimento expresso por parte da pessoa mencionada, sob pena de abuso do direito de informação. Entretanto, tal entendimento, apesar de chancelado Enunciado nº 404 da V Jornada de Direito Civil não é incontroverso.

 

Primeiro, porque enunciado não tem força normativa, mas apenas persuasiva.

Segundo, porque o STF, na ADI 4815 considerou inconstitucional o artigo 20 do Código Civil, que exigia prévia autorização para publicação de dados biográficos.

 

Terceiro, pouco se discute sobre a condição do Autor, se pessoa pública ou privada. Quanto a esse aspecto, pouco é discutido nas três decisões. Parece que a condição de pessoa pública que o Autor ostentava ao tempo do acidente deixou de existir posteriormente, ou seja, 4 anos após. A causa dessa perda de status, para os julgadores, parece ser a própria condição médica.

 

Entretanto, imagine pessoas públicas como ex-presidentes (Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva), artistas renomados (Fernanda Montenegro, Antônio Fagundes), esportistas (Pelé, Ronaldo Fenômeno). Mesmo que essas pessoas célebres estivessem na mesma condição que o Autor da demanda, ou seja, hospitalizados e fora dos holofotes das publicações e aparições públicas, elas continuariam sendo pessoas de interesse. Isso levanta um ponto pouquíssimo abordado: o que é necessário para que alguém deixe de ser considerado como notório, cuja menção é questão de interesse do público? As decisões não lidam com essa “perda de notoriedade” do Autor, apenas assumem isso. Como se fosse notório não ser notório mais (ROUSSEF, 2018). 

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