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"Direito ao esquecimento" no TJRJ

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Rodolfo Assis

Caso 20 - M. da S. A. x ESTADO DO RIO DE JANEIRO.

Apelação cível n. 0009191-54.2013.8.19.0052 – 14ª Câmara Cível – Rel. GILBERTO CAMPISTA GUARINO

Resumo do caso

O Impetrante ajuizou Mandado de Segurança contra reprovação em exame social em concurso público, praticado ​pelo Comandante Geral da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, que o excluiu por notícia de ações que tramitaram no JECRIM da Comarca de Araruama, um, de 2002, e outro, de 2004, portanto há, respectivamente, 11 (onze) e 09 (nove) anos antes da realização do concurso. O Juiz de 1ª Instância concedeu liminar e ordem, e o Impetrado apelou. O recurso foi improvido por unanimidade.

Alegações do impetrante

- que participou do Concurso Público de Admissão ao Curso de Formação de Soldado da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro e fora aprovado dentro do número de vagas,

 - que na fase denominada ´Exame Social e Documental´, o mesmo estava com sua aprovação pendente sob o argumento de que durante a pesquisa social foi constatado que o mesmo esteve envolvido em processos criminais.

- que o impetrante exige o RO que originou os dois processos, mas o impetrante não está conseguindo tais documentos tendo em vista que os fatos que os originaram aconteceram há mais de 9 e 11 anos e

- que, dirigindo-se à delegacia, foi-lhe informado que os processos não existem mais.

- que mesmo que essa ocorrência tenha gerado um processo judicial no Jecrim, o impetrante fora absolvido da acusação.

Pedido

Pleiteia liminarmente que seja determinado à autoridade coatora que efetue a nomeação do impetrante, junto com a turma que está em treinamento para o cargo de soldado no 25° Batalhão de Polícia Militar, e, no mérito, seja confirmada a liminar, integrando o impetrante nas etapas do certame.

 

Alegações do Estado e da Autoridade Coatora

O Estado do RJ alegou

 - que o juízo era incompetente

 - que houve perda do objeto tendo em vista que o candidato fora considerado aprovado na fase de pesquisa social no dia 21 de outubro de 2013 tendo sido apresentado ao Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças e matriculado no Curso de Formação de Soldados no dia 08 de outubro de 2013.

 - que a presunção de legalidade dos atos administrativos, devendo-se considerar legítima a atuação das autoridades estaduais, que no presente caso atuaram de forma a proteger e preservar os legítimos interesses da sociedade.  

- que não cabe ao Judiciário adentrar no mérito administrativo.

A Autoridade Coatora prestou as seguintes informações

- que não assiste razão ao impetrante uma vez que o mesmo foi considerado aprovado na fase de pesquisa social e documental, tendo sido matriculado no Curso de Formação de Soldados em 08 de outubro de 2013.

 - que o impetrante nunca foi ´candidato reprovado´, porém ´pendente´, aguardando a juntada de documentos necessários à conclusão da pesquisa social.

Sentença

Após análise dos autos verifica-se que a pretensão deve ser deferida. O impetrante se inscreveu no concurso para o Curso de Formação de Soldados da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro e alega que sua aprovação na fase de exame social e documental está pendente, sob a alegação de ter sido constatado que o mesmo envolveu-se como autor e réu em processo de competência do JECRIM.

 

Analisando-se os documentos acostados aos autos, em especial o ofício da PMERJ (pdf 198), constata-se que, de fato, o impetrante nunca esteve reprovado no certame, tendo o mesmo sido considerado definitivamente aprovado em todas as etapas do Concurso CFSD/2010, e, inclusive, apresentado para o curso pleiteado na data de 08/11/2013.

 

É certo que à Administração Pública cabe, em situações como a dos autos, a aferição dos antecedentes sociais dos candidatos ao preenchimento de vagas no serviço público. E esta verificação tem como objetivo não só o acautelamento quanto àqueles que irão atuar como agentes administrativos, mas também ensejar a que a prestação administrativa seja feita de modo eficiente e por pessoal capacitado e norteado por valores de moralidade e atuação conforme a lei, que também vinculam o Poder Público.

 

Entretanto, nessa pesquisa de comportamento e antecedentes sociais a Administração não pode se afastar dos parâmetros da razoabilidade que limitam a discricionariedade administrativa, visto que, ainda que lhe caiba a livre avaliação da conveniência e oportunidade, essa liberdade deve ser efetivada em atos que revelem a melhor maneira de concretizar a utilidade pública pretendida pela norma ou, no caso, pelo edital do concurso.

 

No caso em tela, não incidiu o candidato nos óbices previstos no edital, eis que, como se pode extrair das certidões e declarações que o impetrante juntou, não há nos autos prova acerca da prática de qualquer ato ilícito, ou de que o candidato responde a processo criminal, ou de que figura como investigado em inquérito policial, sequer há notícia de punição administrativa ou de que o candidato foi advertido, suspenso ou demitido por falta grave ou prática de ato que o maculasse.

 

Dispositivo: Desta forma, a reprovação do mesmo não se apresentaria em consonância com o princípio da razoabilidade que norteia a Administração. Em face do exposto, CONCEDO A ORDEM para confirmar a liminar deferida, tornando definitivos os seus efeitos.

 

Apelação interposta pelo Estado

 - que o concurso público é procedimento administrativo regulado pelo edital, norma de caráter genérico e abstrato, e que os atos administrativos revestem-se de presunção de legitimidade, que só a produção de robusta prova em contrário pode afastar.

- que o recorrido foi, em 2013, reprovado no certame, na medida em que contrariou regra editalícia, porquanto o exame social constatou sua condição de réu em dois processos criminais que tramitaram no JECRIM da Comarca de Araruama, um, de 2002, e outro, de 2004, portanto há, respectivamente, 11 (onze) e 09 (nove) anos antes da realização do concurso.

 - que o fato põe-se em testilha com as obrigações e deveres inerentes à função que exercerá o Policial Militar, cujas condutas moral e profissional devem, necessariamente, ser irrepreensíveis, cobrando-se-lhe procedimento ilibado nas vidas pública e particular.

- que a Administração Pública é inexoravelmente regida pela legalidade estrita, motivo pelo qual, se o administrado não cumpre determinado dever que lhe incumbia, cabe ao Estado agir em plena conformidade com a Lei.

- que, em casos como o presente, a atuação do Poder Judiciário limita-se ao exame da legalidade do procedimento administrativo.

 

Acórdão

No mérito, não existe nos autos um só documento que comprove as razões pelas quais o impetrante e apelado respondeu a dois processos criminais que tramitaram no JECRIM, certo que ele mesmo afirmou, na exordial, que, à época, era segurança de uma boate, aduzindo que ambos os casos teriam envolvido troca de agressões, após uma confusão nas dependências da casa, acrescentando, ademais, que, nos dois processos, foi proferida sentença extintiva de punibilidade.

Não obstante esse fato, a prova pré-constituída (certidões negativas e atestados de antecedentes (fls. 24 a 33, índice eletrônico n.º 24) expedidos pelo Distribuidor de Araruama, pelos 1º, 2º, 3º, 4º Ofícios de Registro de Distribuição desta Capital, pelo TRF 1ª Região, pelo Tribunal Superior Eleitoral e pela Secretaria de Estado da Segurança Pública) atesta que, em 2013, quando o apelado foi reprovado no exame social, nada constava anotado em relação a ele.

Assim, não existia, à época da decisão de eliminá-lo, nenhuma anotação sobre processo que houvesse tramitado no JECRIM, nem a respeito de qualquer outro, não existindo, pois, motivo a substanciar sua eliminação do certame.

Insta sublinhar que a permanência em concurso público de candidatos que sejam alvo de inquérito policial ou respondam a ação penal, sem que exista sentença condenatória, ou, ainda, com sentença penal extintiva de punibilidade, é reconhecida no âmbito dos Tribunais Superiores, já que não há como se por em dúvida razoável que nosso Ordenamento Jurídico é integralmente informado pelo princípio da não culpabilidade mitigada, insculpido no art. 5º, LVII, da Constituição da República, ao menos até o julgamento das ADCs n.ºs 43 e 44.

Seja como for, o impetrante não sofreu nenhuma condenação penal, muito menos em 2ª instância.

Vale, dessarte, conferir precedentes da Suprema Corte, além de outros pinçados da egrégia Instância Especial: STF - ARE 700066 AgR, Ag. Reg. no RE n.º 450.971/DF, Ag. Reg. no AI n.º 769.433/CE, AgRg no RMS 31410/RJ.

Convém ressaltar, ainda, que a colenda Suprema Corte, por ocasião do julgamento do HC n.º 126.315/SP (DJe 7/12/2015), na relatoria do eminente Ministro Gilmar Mendes, destacou a impossibilidade de que se atribua à condenação o status de perpetuidade, sob o fundamento de que: "a possibilidade de sopesarem-se negativamente antecedentes criminais, sem qualquer limitação temporal ad aeternum, em verdade, é pena de caráter perpétuo mal revestida de legalidade".

Afronta, pois, o Postulado da Razoabilidade, que informa as Leis e atos normativos, a eliminação do recorrido com base em processo cujo conteúdo sequer se conhece, já com sentença extintiva de punibilidade, que tramitaram havia, respectivamente e como antecipado, 11 (onze) e 09 (nove) anos antes do certame e que já não embasam antecedentes criminais.

19. É inconcebível a figura do estigma permanente no Direito Penal, menos ainda em casos antiquíssimos de delitos de menor potencial ofensivo.

A tutela da dignidade da pessoa humana inclui, sim, o direito ao esquecimento, que, bem aplicado, evita se infernize toda uma existência humana, mais ainda diante de questões menores, condenando-se alguém como uma espécie de “novo Judas Iscariotes”, situação extrema a que a falta de ponderação pode, sim, conduzir.

Sobre o importante e novo tema, confiram-se recentíssimos precedentes também do egrégio Superior Tribunal de Justiça: STJ - REsp 1302206/MG, AgRg no AREsp 132.782/DF, RMS 30.734/DF, ARESP 913598, ARESP 294085.

 

Tudo bem ponderado, voto no sentido de conhecer da apelação e negar-lhe provimento.

 

Acórdão: recurso improvido por unanimidade

Observações e Comentários

O caso tem questões interessantes. Primeiro, quanto a possibilidade de exclusão de alguém de concurso público com base numa informação desabonadora que ocorreu há mais de 9 anos, dois processos criminais, cujos autos já foram destruídos segundo as decisões. Se os documentos que revelam tal informação desabonadora já foram legalmente destruídos pelo próprio Poder Público, seria incoerente que continuassem a ter qualquer tipo de efeito sobre a vida do Impetrante.

 

Segundo, há uma avaliação sobre quais fatos passados podem ser considerados relevantes e quais fatos passados são irrelevantes para utilização de avaliação social em órgãos públicos, ou seja, para a atribuição de fato com interesse público, o que afasta ou dificulta o “direito ao esquecimento”. Relevância é um conceito avaliativo, que depende de uma postura por parte de quem atribui a algum objeto, informação, pessoa e etc. Dentro do caso, parece se assumir que processos relacionados a crimes de menor potencial ofensivo (pena máxima não superior a dois anos) parecem ser enquadrados na condição de fatos irrelevantes, sem interesse público.  

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