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"Direito ao esquecimento" no TJRJ

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Rodolfo Assis

Caso 23 – M. W. V. F. D x Globo Comunicação e Participações S/A (Rede Globo).

Apelação cível n. 0026386-06.2016.8.19.0001 – 22ª Câmara Cível – Rel. Marcelo Lima Buhatem

 

Resumo do caso

O Autor ajuizou Medida Cautelar Inominada com pedido de liminar em face da Ré insurgindo-se contra notícia de a mesma que iria reexibir o programa “No Limite” do qual participou no ano de 2000. O Autor tinha receio de que de que a Ré veiculasse cena em que aparece em calorosa discussão, quando em dado momento o teria chamado outro participante de “crioulo”. Funda seu pedido no transtorno que tal episódio poderá acarretar em sua vida, hoje estruturada, trazendo à baila o direito ao esquecimento, posto que à época estava sob forte estresse no reality show e era um jovem imaturo. A liminar foi deferida e transformada em definitiva. A Ré apelou, e o recurso foi improvido por unanimidade.   

 

Alegações do Autor

- que, por ocasião do programa sua imagem restou prejudicada ´em razão da edição distorcida das imagens com conotações racistas e ofensivas a um determinado participante do programa, causando-lhe enorme exposição negativa, imagem denegrida abalo psíquico e sérios riscos à sua integridade física´

- que durante o segundo capitulo se envolveu em discussão com o participante Paulo Cesar Martins conhecido como amendoim , chamando-o de criolo, e que á época a Ré, preocupada com sua integridade física chegou a fornecer segurança particular 24 horas por dia , durante mais de um mês após o episódio.

- que atualmente é advogado, pai de um filho com sete anos de idade, e que a presente medida visa proteger sua imagem, integridade, inclusive de sua família.

Pedido

Requer o autor, ex-participante do REALITYSHOW, programa NO LIMITE, a concessão de liminar para que a ré, por ocasião da reprise do referido programa, seja impedida de reexibir as imagens cenas ou falas com conotações ofensivas e racistas/preconceituosas envolvendo o autor.

Requer, liminarmente, seja a ré impedida de reexibir as imagens, cenas ou falas com cotações ofensivas e racistas /preconceituosas envolvendo o autor, sob pena de multa diária e, ao final, a confirmação da medida

Deferimento de liminar

Trata-se de demanda que envolve dois direitos constitucionais em conflito: o direito à informação, do qual decorre a liberdade de imprensa arts. 5 º, IV e 220 da Constituição da República que, no Estado é limitado pelas garantias à proteção da intimidade e dignidade da pessoa humana ( art.1º, III, e 5 º, da C.R.FB/88), devendo o julgador se valer do princípio da proporcionalidade, também chamado ponderação dos interesses/valores em conflito.

A pretensão liminar do autor para que a ré não reexiba imagens de conotação ofensiva, envolvendo episódios em que o autor teria chamado de ´crioulo´ o participante Paulo Cesar Martins conhecido como Amendoim, merece detida análise. Prima facie, vê-se que a ré veiculou, na imprensa e nas redes sociais, que irá reexibir programa de 15 (quinze) anos atrás, cujo contexto causou transtornos psicológicos e emocionais ao autor, a caracterizar o periculum in mora para a concessão da liminar, ante o evidente risco de perecimento do direito do autor.

Há que se perquirir, assim, se presentes os demais requisitos legais para a concessão da liminar, quais sejam, a plausibilidade do direito autoral e o periculum in mora inverso. para a concessão da cautelar. Ao primeiro súbito de vista, se poderia pensar se tal pretensão seria considerada censura, mas não é este o caso. A uma, porque o programa já foi exibido à época dos fatos. A duas, porque a concessão da liminar não impedirá a ré de reexibir o programa, mas apenas de não reexibir, 15 anos após, cenas que causariam danos à intimidade e dignidade da pessoa do autor.

O que merece análise neste momento, sopesando os bens jurídicos em questão, direito à informação e direito à intimidade, esta a envolver a dignidade da pessoa humana, é perpetuar uma exibição, sem interesse histórico, e que pelas próprias matérias jornalísticas, acostadas à exordial causaram vários transtornos psicológicos ao autor, à época com apenas 27 anos de idade, o qual, sofreu as consequências de seus atos exibidos em rede nacional e objeto de inúmeras matérias jornalísticas. Hoje, 15 anos após, o autor possui 42 anos de idade, é profissional estabelecido, casado e com filho de 7 (sete) anos. Incide, no caso, o denominado Direito ao Esquecimento, não sendo proporcional e nem razoável causar danos à dignidade da pessoa humana, com reexibição de programa, sem conteúdo histórico para a sociedade.

Nesta esteira, cabe transcrever o entendimento esposado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, também capitaneado pelos Tribunais, inclusive o nosso Tribunal de Justiça, consoante ementas abaixo transcritas: RMS 15.634-SP e REsp 443.927-SP.

Vê-se, assim, que o autor, na verdade apenas deseja que seja observado o direito ao esquecimento de fatos ocorridos há 15 anos, evitando-se grave sofrimento e danos à sua dignidade e à sua imagem, inclusive no seio familiar e profissional. Assim, afiguram-se presentes, nesta cognitio sumaria, os requisitos para a concessão da liminar, que defiro.

 

Contestação da Ré

- que a cessão de direitos de imagem pelo autor à ré para a realização e exibição do reality show ´No Limite´, constitui fato incontroverso, inclusive para a reexibição do programa.

- que as cenas da discussão ocorrida no programa ´No Limite´ entre o autor e o participante [nome do participante] apenas demonstraram fatos verdadeiros, obtidos por meios lícitos, praticados por pessoas que cederam contratualmente suas imagens à emissora, tornando-as, portanto, públicas.

- que nenhuma cena foi distorcida, muito menos editada para sobrelevar conotações racistas e ofensivas.

- que diante dos altos índices de audiência na televisão brasileira, a emissora decidiu exibir novamente o reality show ´No Limite´ através de seu canal de TV por assinatura, Viva, e que muito embora o direito do autor em ter a sua privacidade preservada seja inequívoco, não é possível fazer com que o desejo de ver seus erros esquecidos seja convertido em um direito fundamental intransponível.

- que o direito ao esquecimento sobre fatos que envolvam o interesse público não pode ser visto como um direito fundamental, uma vez que a Constituição da República zela pelo acesso à informação, garantindo a memória coletiva e valorizando a História.

- que ao participar do primeiro reality show exibido na televisão brasileira, o autor teve a sua esfera de intimidade restringida, e que as cenas do programa em que o aparece discutindo com o outro participante podem ser livremente divulgadas pela empresa ré, não em decorrência da limitação do seu direito à intimidade, mas pela simples razão de que aqueles fatos foram, e ainda são, públicos.

- que há exercício regular do seu direito e pela liberdade de expressão, requerendo, ao final, a improcedência da demanda

Sentença

A causa está madura para o julgamento, sendo suficientes os elementos probatórios para permitir a cognição da demanda, nos termos da fundamentação abaixo. As demais provas genericamente requeridas afiguram-se desnecessárias conforme a fundamentação abaixo, sobretudo ante a natureza da lide.

Não se discute que é dever do magistrado indeferir as provas protelatórias, consoante se transcreve: 2004.002.19663 Número do Processo: 2004.002.19663 Data de Registro : // Órgão Julgador: OITAVA CAMARA CIVEL Des. DES. ODETE KNAACK DE SOUZA Julgado em 05/04/2005.

 

Veja-se que foi indeferida a concessão de efeito suspensivo ao agravo de instrumento interposto pela ré em face da decisão que concedeu a liminar , e que o respectivo recuso ainda não foi julgado ( fls 190/191) Inicialmente cabe destacar que o autor não formula pretensão indenizatória.

Assim, a despeito da contestação oferecida, me reporto aos fundamentos esposados na decisão que deferiu a liminar. (Transcreveu a liminar)

A plausibilidade do direito autoral, ante a farta prova documental acostada à exordial, por se tratar de fatos conhecidos, posto que veiculados, à época, em rede televisiva nacional, e pelos fundamentos anteriormente expostos, o periculum in mora, ante a veiculação pela ré de reexibição amanhã, dia 28.01, do programa No Limite , 1º episódio, em que o autor foi um dos seus participantes.

A não concessão da tutela neste momento, implicaria no perecimento do direito do autor, E, por fim, ante a ponderação dos bens jurídicos tutelados, prevalecendo, no caso, o direito à dignidade da pessoa humana e o direito ao esquecimento, e de outro, que a ré não sofrerá prejuízo, visto que poderá reexibir o seu programa, apenas se abstendo de divulgar as cenas da calorosa discussão entre o autor Marcus e o participante Paulo Cesar Martins, conhecido como Amendoim. 

Oportuno destacar da ementa de lavra da eminente Desembargadora Myriam Medeiros que embora não se cogite de abuso do direito de informar (art. 220 CF C/C 187 do CC) o que inclusive afastaria eventual pretensão indenizatória, merece prosperar o inconformismo da parte autora, sob a perspectiva do direito ao esquecimento, haja vista a inexistência de interesse pela historicidade do fato. Veja-se que por se tratar de reality show nem haveria que se falar em divulgação de fatos relevantes à sociedade.

Importante, por fim, destacar que A RÉ NÃO ANEXOU EM SUA CONTESTAÇÃO, NA FORMA DO ART. 396 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL/1973 CÓPIA DO SUPOSTO CONTRATO DE CESSÃO DE IMAGEM, CELEBRADO COM O AUTOR, o que, aliás, por si só, já rechaça a pretensão da parte ré em reexibr as imagens do autor.

Dispositivo: isto posto, julgo procedente a demanda, na forma do art 487, I, do Código de Processo Civil para convolar a liminar de fls 35/39 em definitiva e condenar a ré ao pagamento de custas e honorários advocatícios os quais, ao teor do art. 85§ 2 do Código de Processo Civil, fixo em R$1.200,00 ( mil e duzentos reais).

 

Apelação interposta pela Ré

- que as cenas da discussão ocorridas no programa “No Limite” entre o apelado e o participante Paulo Cesar Martins apenas demonstraram fatos verdadeiros, obtidos por meios lícitos, praticados por pessoas que cederam contratualmente suas imagens à emissora para fixação e exibição em obras audiovisuais a serem por ela produzidas e utilizadas sem qualquer limitação, sendo certo que nenhuma cena foi distorcida.

- que o direito ao esquecimento não está consagrado em qualquer norma jurídica, pois é claramente incompatível com nosso sistema constitucional.

- que se trata de exercício regular de direito, mesmo que o apelado não concorde com a abordagem feita através da exibição do programa, fato é que todas as cenas divulgadas eram verídicas, e seu arrependimento pela conduta adotada no reality não torna ilícita a atuação da apelante que apenas produziu um reality exibindo as imagens do apelado de acordo com autorização livre e espontânea por ele outorgada, e, muito menos, impõe a ela um dever de indenizá-lo.

Acórdão

Cuida-se de Medida Cautelar Inominada julgada procedente pelo juízo a quo, convolando a liminar em definitiva, que impediu que a ré reexibisse em seu canal de televisão as cenas do Reality Show “No Limite”, passadas no ano de 2000, em que o autor aparece proferindo palavras com conotação ofensiva e racista contra outro participante de nome [nome do participante] conhecido como Amendoim.

Segundo consta dos autos, o programa “No Limite” estreou em 2000 e seria reexibido no início de 2016, sendo certo que o autor juntamente com o participante em alusão mais outros jogadores passavam por testes de resistência em algum local inóspito do Brasil, concorrendo a um prêmio em dinheiro oferecido pela emissora recorrente.

Ocorre que em um dos episódios, o autor chamou Amendoim de “crioulo” e, por conta desta infeliz conduta, receia que hoje possa haver uma repercussão grande e prejudicial à sua vida, trazendo como argumento em seu favor o direito ao esquecimento. Alegou mais o autor que, atualmente, dezesseis anos após os acontecimentos, é uma pessoa mais madura, com vida pessoal e social estruturadas, inclusive é casado e possui um filho, razão forte o suficiente para solicitar que apenas tais cenas não sejam reapresentadas, pois lhe causarão transtornos de toda a espécie, que podem afetar não apenas a si, como a seus familiares e amigos próximos.

O Juízo a quo deferiu a liminar e posteriormente julgou procedente a medida cautelar, como resultado da ponderação dos interesses/valores em conflito, balizando que as cenas não carregam em si importância histórica ou social que justifique a sua reexibição, ao passo em que podem causar transtornos psicológicos ao autor, ora apelado.

No mais, vale transcrever trecho da decisão alvejada em que o Juízo a quo aclarou que a concessão da tutela, neste caso, não pode ser considerada censura, verbis: “Ao primeiro súbito de vista, se poderia pensar se tal pretensão seria considerada censura, mas não é este o caso. A uma, porque o programa já foi exibido à época dos fatos. A duas, porque a concessão da liminar não impedirá a ré de reexibir o programa, mas apenas de não reexibir, 15 anos após, cenas que causariam danos à intimidade e dignidade da pessoa do autor.”

O caso mereceu destaque através da publicação no CONJUR, em 18/02/2016, em que restou consignado que, verbis:

“O direito ao esquecimento revela como sua maior nobreza o direito à esperança, em absoluta sintonia com a presunção legal e constitucional de regenerabilidade da pessoa humana. Assim entendeu a juíza Maria Cristina Slaibi, da 3ª Vara Cível do Rio de Janeiro, ao proibir o canal Viva de reprisar trecho em que um participante do programa No Limite chamou outro de “crioulo”. O reality show, primeiro do gênero no país e exibido no ano 2000 pela Rede Globo, voltou ao ar pelo canal pago. Segundo a coluna Outro Canal, do jornal Folha de S.Paulo, foi suprimido do segundo episódio o trecho em que o advogado [nome do autor], um dos concorrentes ao prêmio de R$ 300 mil, chamou de “crioulo” o líder comunitário [nome do líder comunitário], conhecido como Amendoim."

Analisando o caso em comento, constata-se que, de fato, a questão envolve dois direitos constitucionais em conflito: o direito à informação, do qual decorre a liberdade de imprensa (arts. 5º, IV e 220 da Constituição Federal) e a dignidade da pessoa humana (arts.1º, III, e 5º, da CF), devendo o julgador valer-se da ponderação dos interesses/valores em conflito para decidir.

Neste sentido, a hipótese demanda a ponderação entre normas constitucionais - a liberdade de expressão e os direitos da personalidade -, a fim de verificar qual delas deverá prevalecer no caso em tela.

Também foi abordada a questão sobre o prisma de haver ou não conteúdo histórico ou social que qualificasse as cenas a ponto de justificar a sua reexibição. No caso em concreto, resta claro que o programa não possui qualquer conteúdo histórico de relevo social. Na verdade, conforme a própria recorrente conceitua em seu site “Canal viva”, quando da apreciação do agravo de instrumento, que se trata de um programa que mistura gincana com reality show.

A reexibição do reality show, uma década e meia após a sua estreia, na sua inteireza, trazendo as polêmicas cenas, podem incitar no público em geral reações das mais diversas e graves, afigurando-se plausível que o recorrido possa ser vítima de humilhação ou qualquer outra atitude negativa que venha influenciar diretamente em sua vida social ou familiar, QUE HOJE É OUTRA.

Por isso, o autor da demanda logrou êxito em demonstrar sua preocupação em se vivenciar alguma situação futura de reprovação social, provando estar estabilizado profissionalmente e ter formado família. Outrossim, a sociedade atual pode enxergar a situação vivenciada pelos dois envolvidos na contenta com maior rigor e juízo de reprovação.

Ao contrário do que afirmou a apelante, o direito ao esquecimento é hodiernamente entendido pelas Altas Cortes como prerrogativa de se controlar determinados aspectos referentes ao tempo, modo e finalidade de utilização por terceiros de fatos pretéritos que possam envolver o titular em constrangimento desnecessário e desmedido. Em outras palavras, baliza-se, de acordo com o caso concreto, se o titular possui ou não direito ao esquecimento em contrapartida com o direito à liberdade de imprensa.

Justamente por não se tratar de notícia atual, pondera-se se a nova alusão aos fatos ocorridos no passado poderá acarretar tamanho prejuízo ao envolvido e se a notícia é ou não relevante, de modo a justificar a proibição de certos atos/repetição de certos atos, tais como o exemplo clássico da vedação à expedição de certidões criminais de pessoas cuja pena já foi extinta ou cumprida (art. 202 da Lei de Execuções Penais).

Nesse contexto, a doutrina também exemplifica a divulgação de crimes ocorridos há vários anos com informações do autor que possa ferir à honra e intimidade das pessoas, como medida de proteção à dignidade da pessoa humana.

No mais, o Superior Tribunal de Justiça acolhe a tese e em dois julgados recentes afirmou que o sistema jurídico brasileiro protege o direito ao esquecimento (REsp 1.335.153-RJ e REsp 1.334.097-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgados em 28/5/2013).

Correto o posicionamento do Juízo a quo, em consonância com a jurisprudência pátria, eis que as cenas não apresentam em si relevância para a coletividade, atendendo apenas aos interesses comerciais da empresa jornalística apelante, pelo que o direito ao esquecimento deve ser tutelado, por se afigurar em verdadeiro direito fundamental da pessoa humana.

Nesse contexto, a reexibição de programa com as polêmicas cenas realmente poderia trazer ao recorrido transtornos psicológicos e emocionais, o que leva ao reconhecimento do direito ao esquecimento que hodiernamente se afirma como um direito à esperança, em absoluta sintonia com a presunção legal e constitucional de regenerabilidade da pessoa, o que em nada macula a liberdade de imprensa.

No tocante à alegação da recorrente em sede de agravo de instrumento (doc 00049), de que “seu interesse de agir permanece para o julgamento do mérito deste recurso, pois, muito embora tenha retirado às cenas polêmicas dos episódios exibidos nos dias acima informados, se faz necessário resguardar seu direito de exibi-las em demais oportunidades”, consignei que ressoa como verdadeiro direito contraposto ou matéria apreciável em réplica que deve ser apresentado na primeira instância. E de fato a magistrada apreciou o pedido e considerou que a ré não anexou em sua contestação, na forma do art. 396 do código de processo civil/1973 cópia do suposto contrato de cessão de imagem, celebrado com o autor, o que, aliás, por si só, já rechaça a pretensão da parte ré em reexibir as imagens do autor.

Outrossim, tem-se que não merece qualquer reparo a sentença, que deu correta solução à lide, posto que evidente a prevalência do direito subjetivo da parte autora à sua vida, intimidade e imagem sobre o direito social à informação.

 

Decisão: recurso improvido por unanimidade

 

Embargos de declaração

A Ré interpôs embargos de declaração para efeitos prequestionadores, fundada na omissão do acórdão quanto à cessão pelo Autor dos direitos de imagem para fixação e exibição em obras audiovisuais a serem produzidas pela TVG, inclusive para a reexibição e licenciamento do programa em questão. Tal alegação foi rechaçada tendo em vista a falta de juntada do contrato, anteriormente mencionada.

 

Recurso Especial e Recurso Extraordinário

Ambos os recursos do Autor ficaram sobrestados, tendo em vista que o presente caso versa sobre matéria que teve a repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, cujo processo paradigma é o RE 1.010.606/RJ, do qual se originou o Tema 786, cuja questão submetida a julgamento é a “aplicabilidade do direito do esquecimento na esfera civil quando for invocado pela própria vítima ou pelos seus familiares”.

A Ré interpôs embargos de declaração, sob o fundamento de que o recurso paradigma era diferente, sob o argumento de que aquele caso paradigma (a) cuidava de ação indenizatória; (b) envolvia matéria criminal em programa jornalístico; (c) o direito ao esquecimento foi evocado por familiares da vítima. Na espécie, a demanda não tem cunho indenizatório, limitando-se à supressão de pequeno trecho de um “reality show”.

 

Entretanto o TJRJ manteve o sobrestamento, sob a justificativa de que o mesmo não exigiria identidade absoluta das questões fáticas envolvidas para que se aplique a sistemática dos recursos repetitivos, podendo-se também fazê-lo em situações apenas similares quando realizado o cotejo da controvérsia constitucional contida no paradigma com a situação a ser analisada. Quanto a essa questão da identidade, mencionou a decisão no RE 801843 AgR do STF.

Observações e Comentários:

Um ponto interessante ao julgado é sobre a noção de direito ao esquecimento e contratos de cessão de imagem. É que a cessão de direitos de imagens no Direito Brasileiro fica sujeita a prévia autorização de quem tem a imagem utilizada. Isso quer dizer que o participante de programa de televisão entabula um contrato cedendo o uso de sua imagem para uso para o veiculador do programa.

O “reality show” é um tipo de programa onde as pessoas estão sujeitas a captação de imagem por um tempo muito grande, perdendo sua intimidade. Essa exposição mais extensa é inclusive uma das principais, senão o principal elemento de atração do público. Quando uma pessoa aceita participar de um reality show ele sabe que tipo de exposição terá e consente com isso.

Como a exposição é muito grande, aos poucos os participantes podem perder alguns freios e inibições que teriam caso ficassem sujeitos a gravação apenas por um pequeno período. É muito comum a presença de demonstrações de intimidade intensas e atitudes não controladas por parte dos participantes, tais como envolvimentos eróticos, discussões acaloradas, crises de choro e vários outros. Esses comportamentos são chaves para a realização do programa e os participantes aceitam e contratam tão exposição.

O participante de reality show poderia posteriormente obter a retirada de alguma imagem ou cena? Essa questão pode ser avaliada desde uma perspectiva clássica quanto uma possibilidade mais contemporânea (não necessariamente correta).

Numa perspectiva clássica, se diferenciaria os contratos por prazo determinado dos contratos por prazo indeterminado, sendo que quanto aos primeiros, desde que definida de maneira expressa e precisa a exposição, os participantes estão obrigados e, caso o Autor tentasse criar embaraços, estaria sujeito à eventual resolução contratual além de multa contratual; quanto aos segundos, caberia ao Autor notificar a parte Ré, e após tal notificação cessaria o direito da Ré de exibir as imagens, quaisquer que fossem. A questão do direito ao esquecimento, quanto aos casos de contratos de cessão de imagem por prazo determinado (seja 10, 20, 30 anos) levantaria a possibilidade de resolução do contrato por inadimplemento e, ademais, de imposição de multa à parte que pretendesse exclusão de cenas específicas ou de toda a imagem. Com isso, haveria aqui uma desestabilização das relações contratuais de cessão de imagem, algo que demanda maior investigação.        

 

Um ponto importante é referente ao tipo de proteção que tanto a constituição quanto a legislação brasileira confere aos atos de racismo. O tratamento da questão da ofensa racial por parte dos tribunais superiores pode ser rígido, especialmente se considerando dois casos muito relevantes julgados pelo STF: o HC 82.424 e o ARE983531. No HC, em 2003, o STF utilizou uma interpretação mais ampla do termo “racismo” presente no texto constitucional para respaldar um caso de imprescritibilidade. No ARE, em junho de 2018, o STF equiparou o crime de injúria racial ao crime de racismo para efeitos de imprescritibilidade. Isso aponta, aparentemente, para uma tendência de se tratar ofensas raciais como manifestações de pensamento com interesse público, que não podem ser restringidas.

 

Se esse tipo de qualificação como interesse público é apropriado, a decisão do TJRJ no caso do participante de reality show desconsidera o caráter público das ofensas, concedendo um “direito a esquecer”, que não é garantido nem na esfera criminal, ramo do direito mais protetivo ao ofensor. Talvez seja justificável esse tipo tratamento diferenciado, alegando-se que a imprescritibilidade somente tem efeitos na esfera penal. No mínimo, entretanto, a imprescritibilidade criminal funciona como panorama de que direito ao esquecimento de atos racistas pode ser um tema mais tortuoso do que aparenta ser.  

 

Num trecho da decisão questionada, o juiz de 1º grau desqualifica a possibilidade de censura pois o programa já teria sido exibido anteriormente, entre outros pontos. Esse ponto remonta a noção de que a censura é uma prática que ocorre apenas antes de que a manifestação da expressão chegue à sociedade e não posteriormente. É como se, ao ter sido veiculado uma vez, a eventual proibição de outra exibição ou veiculação não pudesse ser considerada censura. Ressalte-se, esse é um conceito muito restrito e controverso de censura.  

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