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50 Tons de Censura

Silvia Follain


Há algumas semanas, Marcelo Santini Brando escreveu neste espaço sobre os aspectos psicológicos e jurídicos das fake news (clique aqui). Seu texto apresenta um panorama do problema e conceitua o fenômeno, citando Alex Gelfert, como “a apresentação deliberada de afirmações enganosas ou falsas como se fossem notícias.” A abordagem apresentada permite que tenhamos dimensão das dificuldades do Direito para se colocar diante dos impasses da propagação destas afirmações enganosas e nos direciona para a checagem dos fatos como uma “forma importante de restaurar a segurança espistêmica.”

Diante disso, um ponto em especial chama atenção: todos parecem concordar com a afirmação de que as fake news são um problema e que plataformas como o Facebook, o Youtube e o Twitter devem combate-las. Entretanto, esta concordância inicial tende a ocultar algumas discordâncias relevantes, que tornam a afirmação anteriormente exposta menos óbvia. Vamos a elas:

A primeira diz respeito ao próprio conceito de fake news, ou melhor, à banalização deste conceito. Como bem observou Otávio Frias Filho (2018)[1], o termo vem sendo utilizado como “esgrima retórica” para desqualificar versões diferentes daquelas abraçadas por quem emprega. Para citar alguns exemplos, recentemente, pudemos assistir Donald Trump[2] e Jair Bolsonaro[3] acusando de fake news publicações com conteúdo que lhes desagradavam ou apresentavam interpretações dos fatos das quais discordavam. A questão nos remete às dificuldades relativas à definição de verdade, especialmente, quando o objeto fica no limite entre fato e opinião. Assim, pode ser fácil taxar como mentirosa a afirmação de que o ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama nasceu no Quênia, mas não é tão simples dizer que é enganosa a notícia, segundo a qual, há relatório da ONU afirmando que o Brasil deve tomar as providências para que Lula possa exercer seus direitos políticos[4].

Outro aspecto importante é a definição da natureza de plataformas como Facebook, Youtube e Twitter. Obviamente que não possuem caráter estatal, mas poderiam ser eles considerados como mídia para fins de regulação[5]? Se elas não produzem conteúdo, podem ser responsabilizadas pelo que é publicado em seus domínios? A questão se torna confusa quando o próprio Mark Zuckenberg, fundador do Facebook, parece assumir a responsabilidade por acabar com a “epidemia de propagandas políticas fraudulentas”[6]. Estas plataformas podem e devem excluir o conteúdo que julgarem, segundo suas normas internas, ser indevido ou mentiroso? Gustavo Binenbojm defendeu, em artigo publicado no jornal O Globo[7], que as redes sociais formam um espaço público não estatal, sendo que o administrador não teria poderes para excluir um participante por íntima convicção. Carlos Affonso Souza[8], por outro lado, sustentou que a remoção de perfis é possível com base nos chamados Padrões da Comunidade, que servem como termos de uso das redes sociais. Ele assinala também que este comportamento não viola o Marco Civil da Internet (Lei nº12.965/2014), onde não há norma exigindo ordem judicial para que determinado conteúdo seja removido.

Sob esta ótica, é importante refletir sobre o papel que estas plataformas representam no imaginário coletivo. Pesquisa realizada no final de 2016 pela Fundação Mozilla[9] revelou que 55% dos brasileiros consideram que o Facebook é a internet. Ou seja, mais da metade dos entrevistados desconhece outras formas de navegar na rede que não sejam através da plataforma. Some-se a isso o impacto do projeto Internet.org lançado em 2013, que consiste em uma parceria entre o Facebook e empresas de telecomunicações para oferecer acesso a serviços de internet a países menos desenvolvidos. Ocorre que, ao invés de conceder tal acesso de forma ampla, este projeto acaba franqueando Facebook para todos. Em outras palavras, as pessoas beneficiadas recebem uma versão da internet restrita e mediada pela plataforma. Esta iniciativa vem sendo objeto de severas críticas por representar ameaça à neutralidade da rede e é um indicativo do espaço relevante que a plataforma ocupa na vida de boa parte das pessoas.

Diante destas ponderações, voltemos ao problema. Facebook, Twitter e Youtube devem combater as fake news removendo conteúdo com base nas regras por eles mesmo estabelecidas? Antes de responder, vale dar eco àqueles que lembram que não há nenhuma novidade na tentativa de falsificação política através da distorção de fatos e informações, as potencialidades apenas aumentaram e se diversificaram com a chegada da internet. Deve-se ter em mente que a tecnologia é apenas um instrumento, sendo que seus usos serão determinados pelo comportamento humano.

Alguns casos terão respostas fáceis: em 28.08.2018, em matéria intitulada “De repente, Bolsonaro”, a Piauí noticiou que o Facebook havia excluído páginas por alteração drástica do nome. A matéria explica que a prática, apesar de proibida, é relativamente comum: até maio, não era possível aos usuários acessarem o histórico de nome das páginas. Assim, uma página foi criada em fevereiro de 2017 com o nome “Papo Lava Jato TV”, depois virou “Presidente João Dória” até que, sete meses depois, mudou o nome para “Presidente Jair Bolsonaro”, já arregimentando 350 mil curtidas quando excluída. Agora, a rede passou a permitir que qualquer um veja as mudanças e denuncie uma página infratora.

Mas nem sempre será assim tão evidente. Silvio Genesini[10] tem uma visão pessimista: “Pode parecer uma caricatura, mas o risco de uma censura descontrolada é real. O que seria uma cartilha que explicasse a ‘visão capitalista politicamente e socialmente correta do jornalismo’? Se pedíssemos aos vários grupos antagônicos que povoam a internet para construí-la, o resultado seria um show de horrores”.

As agências de checagem surgiriam, nesse contexto, como um alento de objetividade diante dos pontos nebulosos. Mas será que é isso mesmo que representam? Se uma das vantagens mais comemoradas da chegada da internet era a horizontalidade na produção de conteúdo, será que faz sentido investir a terceiros o poder de conceder um selo de confiança? Boa parte de tais agências são formadas por empresas jornalísticas de grande porte, como a Folha de São Paulo, a BandNews e O Estadão, o que faz com que estejamos, na prática, devolvendo aos grandes grupos de mídia o poder de atestar a verdade dos fatos e de pautar a realidade. 

Se as conclusões não sinalizam para um final feliz, ao menos, indicam a necessidade de um novo começo, em que precisaremos investir na autonomia crítica dos indivíduos, habilitando-os a exercerem, por si só, este papel de checagem.

[1] Frias Filho, Otávio. (2018). O que é falso sobre fake news. Revista USP, (116), 39-44.

[4] É possível argumentar que a informação é imprecisa porque não há relatório da ONU, mas sim pedido do Comitê de Direitos Humanos daquela entidade. Além disso, a obrigatoriedade de cumprimento vem sendo objeto de discussão. Entretanto, qualificar como “enganoso” como fez o Projeto Comprova soa forte no contexto (https://projetocomprova.com.br/post/re_2B5W8XZL058Z). A questão é tão controversa que, em julgamento realizado pelo TSE, o ministro Luiz Edson Fachin entendeu que a decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU garante a participação de Lula nas eleições mesmo estando preso.

[10] Genesini, S. (2018). A pós-verdade é uma notícia falsa. Revista USP, (116), 45-58.

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