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Censura [1]

Timothy Sandefur (Trad. Rodolfo Assis)


Por Timothy Sandefur[2]

Tradução de Rodolfo Assis[3]


Censura é o silenciamento coercitivo de visões divergentes por parte das autoridades políticas  em geral, a fim de proteger uma ortodoxia oficial ou impedir a disseminação de idéias não autorizadas pelos poderes constituídos. Como Alberto Manguel escreve em “A History of Reading”, a censura “é o corolário de todo poder, e a história da leitura é iluminada por uma linha aparentemente infinita de fogueiras de censores”. A censura tem sido e continua sendo uma característica comum dos regimes autoritários. John Milton, cujo Areopagitica (escrita em protesto contra a censura de seus escritos sobre o divórcio) continua sendo a mais eloquente defesa da imprensa no inglês, forneceu uma história da censura em 411 AC, quando as obras de Protágoras foram queimadas em Atenas sob o fundamento de que ensinavam agnosticismo. Em “A República”, Platão defende a censura da poesia e da música que não promovem os interesses do Estado. Essa tradição continuou nos tempos modernos. A partir de 1933, Josef Goebbels supervisionou a queima massiva de livros, o que se tornou uma marca registrada do regime nazista. Na União Soviética, uma agência chamada Glavlit supervisionava todas as publicações impressas, incluindo até rótulos de alimentos, para impedir a disseminação de material inaceitável. Hoje, funcionários da China, Arábia Saudita, Paquistão e outros países implementaram a censura de livros, periódicos, televisão, rádio e Internet para garantir que a dissidência política, a heterodoxia religiosa ou material sexualmente provocativo não sejam divulgados ao público em geral.

A introdução da imprensa e a injunção protestante para crentes lerem a Bíblia por si mesmos tornaram a censura um assunto cada vez mais importante de debate na Europa da Reforma. Em 1559, a Igreja Católica emitiu o primeiro Index Liborum Prohibitorum, que listava livros proibidos como perigosos para a fé; tal Index não foi eliminado até 1966. As nações protestantes não eram menos censoras. Henrique VIII ordenou a queima dos livros da Reforma antes de seu próprio rompimento com Roma, incluindo traduções para o inglês do Novo Testamento, e estabeleceu um licenciamento como requisito para publicação, contra o qual Milton protestaria um século depois na Areopagitica.

Nas décadas seguintes, a common-law inglesa desenvolveu gradualmente um princípio de liberdade de expressão que impedia o governo de se envolver em "restrições prévias" (ou seja, a proibição forçada de publicação). Mas nenhuma regra protegeu os autores após publicação. Assim, embora William Blackstone tenha explicado em seus Commentaries que a proibição de restrições prévias era essencial às liberdades inglesas, não havia “liberdade contra censura criminal depois de publicada a matéria”. Os dissidentes poderiam imprimir suas opiniões, mas a ameaça de julgamento por “difamação sediciosa” e outros crimes políticos ajudaram a moderar as críticas ao governo. Na América, no entanto, a famosa absolvição de 1735 de John Peter Zenger eliminou amplamente a difamação sediciosa como uma ameaça à imprensa colonial. No entanto, processos contra a publicação de material indecente continuaram. O primeiro livro a ser proibido nos Estados Unidos foi o romance pornográfico “Fanny Hill”, de John Cleland, ou “Memórias de uma Mulher de Prazer”, que foi proibido em Boston em 1821 e, quando republicado em 1964, foi novamente banido, levando a uma importante decisão da Suprema Corte definindo obscenidade.

Como o common-law definia a liberdade de imprensa como ausência de restrições prévias, a 1ª Emenda da Constituição dos EUA, que protege as liberdades de imprensa e de expressão (speech), foi interpretada como uma proibição quase absoluta de restrições prévias. Alguns argumentaram que a 1ª Emenda não vai além, enquanto outros argumentam que ela vai além do common-law e proíbe certas formas de punição pós-publicação ou outras ações do governo destinadas a limitar a disseminação de informações. Os tribunais americanos identificaram três categorias amplas de censura além das restrições prévias: (1) a punição daqueles que produzem material - como obscenidade ou ameaças extraordinariamente intimidantes - que está determinado a não se qualificar como “expressão” ou “imprensa” tal como os termos foram entendidos pelos autores da 1ª Emenda, (2) o uso de indenizações e difamação para punir aqueles que proferem falsidades ou comentários desfavoráveis, e (3) a remoção de livros de bibliotecas públicas.

É amplamente reconhecido que determinado material pode ser tão obsceno que não contenha ideias ou expressões dignas de proteção constitucional. No entanto, a definição da palavra” obsceno” mostrou-se extremamente difícil para os tribunais, porque uma definição ampla demais poderia ameaçar a disseminação de material provocativo, mas sério. Em 1973, a Suprema Corte definiu obscenidade como um material que, considerado como um todo, apela ao interesse lascivo pelo sexo, que retrata sexo de maneira patentemente ofensiva e que carece de sério valor literário, artístico, político ou científico. Essa definição se mostrou difícil de aplicar e, nas últimas décadas, os governos dos Estados Unidos desistiram em grande parte dos esforços para proibir a pornografia. Pior, pode ser perigoso declarar que certas formas de expressão não são formas protegidas de expressão. Proibições de "discurso de ódio", ou de ações expressivas consideradas extraordinariamente ofensivas, como a queima de bandeiras, são similares no sentido de que pode ser ordinariamente justificado que essas formas de expressão comunicam sentimentos que são indignos de proteção legal. Os perigos de tal raciocínio são evidentes na área das leis de assédio sexual, que nos últimos anos foram ampliadas para intimidar alguns interlocutores ou proibir algumas formas de expressão que, qualquer que seja seu mérito, sejam claramente comunicativas e não obscenas ou ameaçadoras. Além disso, esse esforço para definir certas categorias de expressão como fora das proteções constitucionais gerou teorias jurídicas que buscam definir certas categorias de discurso como merecedoras de “menor” proteção constitucional. Esse regime de proteção reduzida prevalece no domínio do discurso comercial, definido como discurso que propõe uma transação comercial. Embora a Constituição Americana não dê garantias para tal discriminação, a Suprema Corte concluiu que a expressão comercial pode ser amplamente regulada porque não é considerada parte do diálogo político ou cultural considerado essencial para a tomada de decisão democrática. Da mesma forma, as regulamentações de financiamento de campanhas, apesar de frequentemente restringirem os direitos dos indivíduos de expressarem suas preferências políticas, são frequentemente defendidas com base em que limitar as oportunidades expressivas de grupos ricos estimula um debate democrático mais amplo.

As leis de indenizações e difamações foram regularmente usadas para reprimir críticas às autoridades políticas, mas nos Estados Unidos esses esforços foram severamente restringidos pela decisão da Suprema Corte de 1964 New York times v. Sullivan, que considerou que "figuras públicas", tais como os funcionários do governo e aqueles que optam por participar de assuntos de interesse público, raramente podem prevalecer em casos de indenizações por difamação. Mesmo a publicação de material obviamente falso e obsceno sobre uma figura pública foi protegida pela 1ª Emenda, como quando o pornógrafo Larry Flynt defendeu com sucesso seu direito de publicar uma entrevista falsa que sugeria que o ministro Jerry Falwell havia perdido sua virgindade com sua mãe em um banheiro externo. Embora figuras públicas possam virtualmente nunca ter sucesso quando processam a imprensa por difamação nos Estados Unidos, os países europeus, particularmente a Inglaterra, não proíbem esses processos. Como resultado, as críticas às figuras políticas na Inglaterra ainda são muitas vezes inibidas. Pior ainda, como as publicações produzidas nos Estados Unidos estão facilmente disponíveis na Inglaterra, figuras públicas que foram criticadas entraram com uma ação contra escritores americanos nos tribunais ingleses e foram indenizadas, embora essas ações fossem constitucionalmente proibidas pela lei americana. Este “turismo de indenizações por difamação” tornou-se uma questão de crescente preocupação na era da internet.

Uma fonte comum de debate sobre a liberdade de expressão nos Estados Unidos envolve a remoção de livros controversos de bibliotecas públicas e bibliotecas de escolas públicas. Embora não seja estritamente uma forma de censura - porque as publicações permanecem legais e disponíveis em outros lugares - essas tentativas de impedir a leitura são comuns e são monitoradas pelo American Library Association’s Office of Intellectual Freedom. A Suprema Corte dos EUA nunca determinou que tais remoções sejam proibidas pela Primeira Emenda, mas em Board of Education v. Pico, uma pluralidade de juízes considerou que enquanto os conselhos escolares têm ampla discricionariedade para escolher quais livros são apropriados para composição do plano de ensino ou uso em sala de aula, e para escolher quais livros podem ser colocados em uma biblioteca, eles não podem remover livros que já estão na biblioteca com base nas idéias contidas nesses livros ou na tentativa de prescrever opiniões ortodoxas.

Leitura complementar:

Beauchamp, Raymond W. “England’s Chilling Forecast: The Case for Granting Declaratory Relief to Prevent English Defamation Actions from Chilling American Speech.” Fordham Law Review 74 (2006): 3073–3145.

Bernstein, David E. You Can’t Say That!: The Growing Threat to Civil Liberties from Antidiscrimination Laws. Washington, DC: Cato Institute, 2003.

Board of Educ., Island Trees Union Free School Dist. No. 26 v. Pico, 457 U.S. 853 (1982).

A Book Named “John Cleland’s Memoirs of a Woman of Pleasure” v. Attorney General of Massachusetts, 383 U.S. 413 (1966).

Hustler Magazine v. Falwell, 485 U.S. 46 (1988).

Klosko, George. The Development of Plato’s Political Theory. New York: Methuen, 1986.

Manguel, Alberto. A History of Reading. New York: Penguin, 1996.

Miller v. California, 413 U.S. 15 (1973).

Nelson, Harold L. “Seditious Libel in Colonial America.” American Journal of Legal History 3 (1959): 160 172.

New York Times Co. v. United States, 403 U.S. 713 (1971).

[1] Tradução livre de “Censorship” In: The Encyclopedia of libertarianism. Disponível em: https://www.libertarianism.org/encyclopedia/censorship. Acesso em: 29/09/2018.

[2] Timothy Sandefur é Vice-Presidente de Contencioso no Goldwater Institute, onde supervisiona a equipe jurídica do Instituto e também ocupa a Cátedra Clarence J. & Katherine P. Duncan em Governo Constitucional. Ele é autor de cinco livros - Frederick Douglass: Self-Made Man (2018), Cornerstone of Liberty: Property Rights in 21st Century America (segunda edição, coautor com Christina Sandefur, 2016), The Permission Society (2016), The Conscience of The Constitution (2014), The Right to Earn a Living: Economic Freedom and The Law (2010). Tem vários artigos sobre liberdade econômica, leis antitruste, direitos autorais, escravidão e Guerra Civil, questões legais em Shakespeare e etc.

[3] Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Pós-graduado (Especialização) em Direito Tributário - Universidade Anhanguera (2009). Possui graduação em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF (2007). Membro do Grupo de Pesquisa sobre Liberdade de Expressão no Brasil (PLEB-PUC-Rio). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Raciocínio Jurídico e Filosofia da Linguagem, dirigido à análise de decisões e questões constitucionais, liberdade de expressão e vieses cognitivos. Advogado e Professor de Direito da Rede de Ensino Doctum.

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